Opinião
O soldado israelense e o Tribunal Penal Internacional
Há poucos dias, presenciamos no cenário jurídico nacional um equívoco técnico feito em nome dessa integração jurisdicional. Um soldado israelense, que passava férias no Brasil, teve contra si um inquérito policial aberto, no âmbito da Justiça Federal, para averiguar possíveis crimes de guerra supostamente cometidos por ele em território estrangeiro. O pedido veio de uma organização não governamental que milita em questões de direitos humanos na Palestina, e a fundamentação desse pedido, de acordo com a causídica responsável, se fundamentou no princípio da Jurisdição Universal, que, em sua interpretação apressada, recai de maneira absoluta a todos os aspectos da Jurisdição Brasileira, uma vez que o Brasil é signatário do Estatuto de Roma.
A ampliação da chamada Jurisdição Internacional, especificamente aquela Jurisdição exercida por Tribunais Internacionais, como a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional, efetivada de forma permanente após a Segunda Guerra Mundial, se apresenta ainda hoje como um dos maiores projetos e desafios do Direito Internacional Contemporâneo, havendo esforços globais e nacionais para o seu avanço, quando convém à Política, claro.
Há poucos dias, presenciamos no cenário jurídico nacional um equívoco técnico feito em nome dessa integração jurisdicional. Um soldado israelense, que passava férias no Brasil, teve contra si um inquérito policial aberto, no âmbito da Justiça Federal, para averiguar possíveis crimes de guerra supostamente cometidos por ele em território estrangeiro. O pedido veio de uma organização não governamental que milita em questões de direitos humanos na Palestina, e a fundamentação desse pedido, de acordo com a causídica responsável, se fundamentou no princípio da Jurisdição Universal, que, em sua interpretação apressada, recai de maneira absoluta a todos os aspectos da Jurisdição Brasileira, uma vez que o Brasil é signatário do Estatuto de Roma.
No entanto, com todas as vênias possíveis e imagináveis, essa é uma interpretação equivocada e exagerada do Estatuto de Roma. Não temos espaço aqui para grandes interpretações sobre os artigos do referido Estatuto, mas, resumidamente, deve-se lembrar que o Tribunal Penal Internacional foi construído no sentido de dotar o cenário internacional de um sistema judiciário penal completo, isto é, com estrutura investigativa, acusatória e julgadora.
Sendo assim, como regra, só servirá para acusação e para a instauração de um processo crime no âmbito do Tribunal Penal Internacional, aqueles baseados em Inquéritos Policiais conduzidos pelo próprio procurador do Tribunal. É isso que diz expressamente o artigo 13, item ‘c ‘ do Estatuto. Também é o artigo 13, em seus outros itens, que, se lido combinado com o artigo 1º, admite o TPI não como uma Jurisdição Universal, mas sim como uma Jurisdição Complementar, o que quer dizer, em bom português, cada macaco no seu galho.
Forçar, por pressão política, ainda que por causas nobres, a instauração de um inquérito nacional para apurar crime de competência internacional é gastar dinheiro público de forma inócua, além de utilizar indevidamente as instituições judiciárias nacionais para agendas e pautas indevidas. Entendo e apoio a nobreza valorativa por trás do gesto, mas no Direito, o procedimento é tão importante quanto o bem jurídico tutelado. Eu diria que o Direito é feito de ambos em doses iguais.
Porém, mais surpreendente ainda, foi o Judiciário Federal brasileiro comprar essa ideia e determinar a instauração do inquérito, se baseando no princípio e nas hipóteses de extraterritorialidade vigentes em nosso ordenamento. Nesse ponto, também, novo equívoco, seja qual for a hipótese. Vejamos:
“Se estamos falando de crime de Genocídio, falamos do princípio de extraterritorialidade incondicionada. Nesse caso, é aplicável a Lei se a vítima ou o autor forem brasileiros, apenas, o que não é o caso. Quem diz isso é o próprio Código Penal, em seu artigo 7º. Com outra hipótese, nos casos de Crimes de Guerra, se poderia argumentar que o Brasil é signatário do Estatuto de Roma e que, por essa razão, jurou reprimir tais delitos. Tal argumentação dá força para o uso indiscriminado do Princípio da Jurisdição Internacional ou Cosmopolita, mas ainda assim é, para não dizer erro, um exagero interpretativo, uma vez que o Estatuto de Roma prevê a cooperação dos países signatários para que estes auxiliem o Tribunal em sua persecução penal e não assumam o protagonismo em seu nome. Aliás, o termo Jurisdição Complementar, já utilizado aqui, dá conta exatamente dessa imagem.
Desta forma, relembramos, como Advogados, que o Direito é a soma equânime do bem jurídico tutelado e da forma em que essa tutela é exercida. Boas intenções normalmente acabam gerando problemas para quem não tem nada a ver com o assunto. E isso é historicamente comprovado. Como diz o ditado: “De boas intenções…”.
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Anos atrás escrevi um pequeno livro intitulado “Uma Breve Teoria do Poder”. Hoje está na 4ª edição, veiculado pela Editora Resistência Cultural, que se notabilizou pela primorosa apresentação gráfica de suas edições. As edições anteriores foram prefaciadas por dois saudosos amigos: Ney Prado, confrade e ex-presidente da Academia Internacional de Direito e Economia e Antonio Paim, confrade da Academia Brasileira de Filosofia. A atual tem como prefaciador o ex-presidente da República e confrade da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Michel Temer.
Chamo-a de “Breve Teoria” por dedicar-me mais à figura do detentor do poder, muito embora mencione as diversas correntes filosóficas que analisaram a ânsia de governar, através da história.
Chamar um estudo de “breve” é comum. Já é mais complicado chamar uma teoria de breve. As teorias ou são teorias ou não são. Nenhuma teoria é “breve” ou “longa”, mas apenas teoria.
Ocorre que como me dediquei fundamentalmente à figura do detentor do poder e não a todos os aspectos do poder, decidi, contra a lógica, chamá-la de “Breve Teoria”.
Desenvolvi no opúsculo a “teoria da sobrevivência”. Quem almeja o poder luta, por todos os meios, para consegui-lo e, como a história demonstra, quase sempre sem ética e sem escrúpulos. Não sem razão, Lord Acton dizia, no século XIX, que “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Ocorre que, no momento que o poder é alcançado, quem o detém luta para mantê-lo por meio da construção de narrativas, cada vez tornando-se menos ético e mais engenhoso, até ser afastado. As narrativas são sempre de mais fácil construção nas ditaduras, mas são comuns nas democracias e tendem a crescer quando elas começam a morrer.
A característica maior da narrativa é transformar uma mentira numa verdade e torná-la para o povo um fato inconteste, ora valorizando fatos irrelevantes, ora, com criatividade, forjando fatos como, aliás, Hitler conseguiu com a juventude alemã com a célebre frase: “O amanhã pertence a nós”.
Nas democracias, a luta pelo poder é mais controlada, pois as oposições desfazem narrativas e os Poderes Judiciários neutros permitem que correções de rumo ocorram. Mesmo assim, as campanhas para conquistar o poder são destinadas, não a debater ideias, mas literalmente destruir os adversários. Quando Levitsky e Ziblatti escreveram “Como as democracias morrem”, embora com um viés nitidamente a favor do partido democrata, desventraram que as mais estáveis democracias do mundo também correm risco.
O certo é que, através da história, os que lutam pelo poder e os que querem mantê-lo, à luz da teoria da sobrevivência, necessitam de narrativas e não da verdade dos fatos, manipulando-as à sua maneira e semelhança, com interpretações “pro domo sua” das leis, reescrevendo-as e impondo-as, quanto mais força tem sobre os órgãos públicos, mesmo nas democracias, e reduzindo a única arma válida numa democracia, que é a palavra, a sua expressão menor, quando não a suprimindo.
É que, infelizmente, há uma escassez monumental de estadistas no mundo e um espantoso excesso de políticos cujo único objetivo é ter o poder e, quando atingem seu objetivo, terminam servindo-se mais do que servindo ao povo, pois servir ao povo é apenas um efeito colateral e não obrigatoriamente necessário.
Os ciclos históricos demonstram, todavia, que quando, pela teoria da sobrevivência os limites do razoável são superados, as reações fazem-se notar, não havendo “sobrevivência permanente no poder”. As verdades, no tempo, aparecem, e, perante a história, as narrativas desaparecem e surge “a realidade nua dos fatos”.
Ives Gandra da Silva Martins é professor e advogado
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