Ernesto Araújo diz que OMS tem problemas “de gestão e transparência”
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado, nesta terça-feira (18), o ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou que partiu dele a orientação para que o governo brasileiro tivesse sido o único a apoiar declarações do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na ocasião, uma resolução debatida por um dos comitês da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecia a importância do organismo no combate à emergência sanitária global do novo coronavírus. Em uma contraproposta, os Estados Unidos, que haviam rompido com a OMS, queriam retirar essa parte do documento.
“Partiu de mim a orientação de agir nesse sentido e em outros sentidos, não para contestar a importância da OMS, mas para que nada fosse interpretado como uma carta branca para a OMS, no momento em que já se haviam identificado várias idas e vindas daquela organização”, disse.
Araújo acrescentou que o fundamento diplomático para a decisão foi a necessidade de que um organismo internacional da importância da OMS tivesse “transparência e eficiência nas suas decisões”. “ A OMS – isto está documentado –, em vários momentos, voltou atrás em orientações, em percepções, em diferentes recomendações a respeito da pandemia, e nós achamos que isso precisaria ser avaliado e que não se deveria simplesmente colocar um pano em cima disso, e essa frase poderia levar a isso”, explicou.
Outro ponto destacado pelo ex-chanceler Araújo aos senadores foi que não só o Brasil, mas outros países têm defendido uma reforma na OMS. O diplomata entende que a pandemia é “o maior teste” pelo qual a organização já passou e que, embora não haja “má-fé” na instituição, ela tem problemas de “gestão e transparência”.
CoronaVac
À CPI, Araújo afirmou que, enquanto esteve à frente do Itamaraty, não se envolveu nas negociações para a compra da vacina CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac. Segundo o diplomata, o imunizante está sendo importado pelo Butantan, do governo de São Paulo, por isso, avaliou, as tratativas deveriam ser feitas diretamente entre o Instituto e os fornecedores chineses. “Pelo menos durante a minha gestão foi assim”, afirmou.
O ex-ministro acrescentou que a China também é o país onde se produzem os insumos que o Brasil importa para a produção da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, em parceria com a AstraZeneca e com Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “A China já nos informou, suas autoridades já informaram publicamente que o Brasil é o país que mais recebeu insumos e vacinas produzidos pela China.”
Contribuição
Perguntado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre o papel que teve na compra de vacinas, Araújo afirmou que a China liberou insumos devido à sua intermediação. “Pessoalmente, eu me dirigi, no caso, por carta, porque era o melhor meio, ao chanceler chinês, e acho que essa carta terá contribuído para a liberação desses insumos. No total, acho que os insumos para a AstraZeneca que foram liberados pela China durante a minha gestão correspondem a mais ou menos uns 33 milhões de doses”, declarou.
Araújo disse ter sido também responsável pela liberação de 4 milhões de doses de vacinas que vieram prontas da Índia. “Com a Índia, muito diretamente, os 4 milhões de doses de vacinas que vieram prontas da Índia tiveram uma contribuição grande da minha interlocução pessoal com o chanceler indiano.”
O senador Girão – que integra a base de apoio ao governo – também indagou se o diplomata percebia uma “perseguição” ao governo federal. “Infelizmente, na minha avaliação, pelo que tenho visto, houve essa tentativa de, digamos, desmerecer tudo o que era feito por este governo em função de dados da pandemia”, avaliou.
Pfizer
Araújo disse que tinha conhecimento da carta enviada ao governo brasileiro em setembro do ano passado pela farmacêutica Pfizer, com proposta de venda de vacinas ao Ministério da Saúde, que ficou sem resposta por parte do Brasil. Segundo Ernesto Araújo, “talvez” no dia 14 de setembro, dois dias após o envio da correspondência, foi informado sobre o documento pelo embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Foster, uma das autoridades que receberam a carta. Segundo ele, por meio de um telegrama, Foster falou da carta e disse que ela já era de conhecimento direto do Ministério da Saúde, a quem caberia a “centralização da estratégia de vacinação”.
Aconselhamento
Perguntado sobre a existência de algum tipo de “aconselhamento paralelo” ao presidente Jair Bolsonaro no âmbito da pandemia, por pessoas além de autoridades sanitárias do governo, Araújo disse desconhecer. Especificamente sobre “aconselhamento paralelo internacional, disse que não havia orientação “de alguém que não tivesse atribuição a fazê-lo”.
Oxigênio
Sobre o desabastecimento de oxigênio na rede de saúde do Amazonas, em janeiro deste ano, Ernesto Araújo disse que recebeu pedido do governador do estado, Wilson Lima, para viabilizar um avião para transporte de oxigênio. O plano, porém, não deu certo por falta de informações técnicas para o transporte. Araújo disse que procurou o Chile e os Estados Unidos, que teriam aviões com capacidade para transportar grandes quantidades de oxigênio.
Segundo o ex-chanceler, o avião norte-americano estaria pronto em 24 horas, mas, sem o envio das especificações do tipo de cilindro de oxigênio pelo governo amazonense, o transporte não foi possível. “Nós imediatamente contatamos, com toda urgência, o governo do estado do Amazonas para que nos desse as especificações, então, do oxigênio, que tipo de cilindro, [enfim] as especificações mínimas, das quais nós não dispúnhamos e de que os Estados Unidos precisavam para proceder a isso. Passaram-se dois, três dias, e não recebemos essas especificações. Acabou não se materializando”, explicou.
Sobre os cilindros doados pela Venezuela, Araújo disse que, “assim que chegou a notícia sobre a doação, a Agência Brasileira de Cooperação foi acionada para viabilizar o mais rápido possível a doação”. “Coloquei funcionários para monitorar, fizemos nosso papel sem nenhum impedimento de natureza política”, respondeu o ex-ministro.
Histórico
Ernesto Araújo é o sétimo nome a ser ouvido pela CPI – que apura omissões do governo federal no combate à pandemia da covid-19 e desvios de estados e municípios de recursos da União – na condição de testemunha. Amanhã (19) o colegiado ouvirá o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Edição: Valéria Aguiar
POLÍTICA NACIONAL
Entenda o pedido de vista que adiou análise da prisão de deputado
O pedido de vista que adiou a análise do parecer sobre a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados
é um procedimento previsto nos regimentos da Câmara e do Senado. O objetivo do pedido de vista é dar mais tempo para análise de algum projeto em processo de deliberação.Brazão é suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Previsto no Artigo 57 do Regimento Interno da Câmara, o pedido de vista pode ser feito por qualquer deputado membro de comissão após a leitura do parecer do caso em discussão. A vista deve ser concedida automaticamente, não precisando ser aprovada pelo colegiado. O prazo regimental de um pedido de vista é de duas sessões do plenário da Câmara.
O único caso em que o pedido de vista pode ser rejeitado é quando o projeto tramita em caráter de urgência. O deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA) usou essa brecha para pedir que não fosse concedido o prazo extra, mas não foi atendido pela presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ, Caroline de Toni (PL-SC. A deputada argumentou que a análise da medida cautelar expedida pelo Supremo não tem caráter de urgência.
O acalorado debate que o adiamento da análise da prisão de Brazão gerou fez o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vir a público manifestar que o pedido de vista não trará prejuízo para o processo ou a investigação. “Todo o tempo que transcorrer é em desfavor do réu, que continuará preso até que o plenário da Câmara se posicione em votação aberta”, explicou.
A polêmica girou em torno da acusação de parte dos parlamentares de que o adiamento visava beneficiar Brazão, enquanto os defensores do pedido de vista alegaram que precisavam de mais tempo para analisar se a prisão preventiva cumpriu com os requisitos legais.
Como Brazão é deputado federal, a Câmara precisa referendar a prisão dele por maioria dos votos em votação aberta. De acordo com a Constituição, parlamentares só podem ser presos em flagrante por crime inafiançável.
Prazo
A previsão é que a CCJ volte a debater o tema somente no dia 10 de abril, quando se cumpre o prazo de duas sessões do plenário da Câmara para pedidos de vista.
A primeira sessão que conta como prazo está prevista para esta quarta-feira (27). A segunda sessão do plenário está prevista para o dia 9 de abril. Isso porque a Câmara liberou os deputados de comparecerem a Brasília na próxima semana devido ao final do prazo para mudar de partido com vistas às eleições municipais de outubro de 2024.
Kit obstrução
Apesar de não serem possíveis novos pedidos de vista, há possibilidade de a análise da prisão de Brazão ser novamente adiada. Isso porque os deputados podem apresentar requerimento para adiar a discussão por mais dias. Diferentemente do pedido de vista, o requerimento para adiar a votação não é aceito automaticamente, pois precisa ser aprovado pela maioria da CCJ.
Os mecanismos que atrasam a votação costumam ser chamados de kit obstrução por aqueles que tem interesse em votar logo alguma matéria. O kit costuma ser usado quando há resistência a determinado projeto com objetivo postergar a votação.
De acordo com a assessoria jurídica da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, não há prazo limite para que a Casa analise a prisão de um deputado. O prazo de 72 horas citado pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) para justificar que não se concedesse a vista é para apresentação do parecer, o que já foi feito pelo relator do caso, Darci de Matos (PSD-SC), que pediu a manutenção da prisão por entender que os requisitos legais foram atendidos. A defesa do parlamentar, por outro lado, nega que os requisitos tenham sido observados.
Ainda segundo a assessoria jurídica da Câmara, o que pode acontecer é o presidente da Casa transferir o caso diretamente para o plenário. Isso pode ocorrer se Lira avaliar que a CCJ está postergando a análise da prisão.
A votação da CCJ tem a função de orientar o conjunto dos deputados, mas não é definitiva. Mesmo que a comissão considere a prisão ilegal, o plenário será obrigado a se manifestar na sessão seguinte a aprovação ou rejeição da CCJ.
Fonte: EBC Política Nacional
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