Opinião
O Indiciamento de 37 pessoas pela PF – O Episódio e suas consequências
Se não houve início da execução, ou seja, se os atos necessários para caracterizar a tentativa não ocorreram, o crime inexiste, conforme determina o Código Penal (art. 14, II). É fundamental que isso seja apurado com serenidade e o ministro Alexandre de Moraes, como figura central nesse caso, deve permitir que o Ministério Público e os demais Ministros apreciem as acusações.
Os jornais noticiaram o indiciamento de 37 pessoas em decorrência do que foi descoberto pela Polícia Federal no encerramento das investigações sobre o dia 8 de janeiro de 2023.
Em primeiro lugar, reitero o que tenho afirmado: é evidente que o assassinato de políticos eminentes e de membros do Poder Judiciário não engrandece a democracia; ao contrário, empobrece.
Nas democracias, as idas e vindas, de acordo com as correntes políticas, decorrem do debate. A única arma que se pode usar de forma consistente na democracia é a palavra. Por isso, rejeito qualquer forma de atentado violento contra pessoas que estejam exercendo, ou que venham a exercer, cargos públicos. Tal conduta não pode ser aceita por ninguém que ame a democracia neste país.
Contudo, sobre esse inquérito, quero fazer algumas considerações.
A primeira é a seguinte: tanto o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito quanto o de Golpe de Estado só podem ser punidos quando houver emprego de violência ou de grave ameaça, de acordo, respectivamente, com os artigos 359-L e 359-M do Código Penal.
Mesmo que os atos de execução desses crimes tivessem sido iniciados — segundo a polícia, foram apenas imaginados e pensados, mas não houve a tentativa — e alguma tragédia tivesse acontecido, a meu ver, não haveria possibilidade nenhuma da nossa democracia desaparecer. Estou convencido desta afirmação, pela minha experiência como professor da Escola do Comando de Estado-Maior do Exército por 33 anos.
Pelo mesmo motivo, desde agosto até novembro de 2022, afirmei repetidamente que não haveria risco de golpe de Estado. Fiz essas declarações, inclusive, como presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio, por meio de artigos publicados no Consultor Jurídico (Conjur) e de manifestações no Congresso Nacional, sempre sustentando que a possibilidade de um golpe era inexistente. Disse, inclusive, que essa probabilidade era “zero multiplicado por zero, dividido por zero, somado a zero”.
Ocorre que, sem o apoio das Forças Armadas, não há possibilidade de golpe de Estado. Mesmo admitindo — apenas por hipótese — que o Presidente da República tenha cogitado tal ação, seria impossível concretizá-la sem esse apoio. Até agora, temos apenas notícias e trechos de diálogos divulgados pela imprensa, e os próprios advogados dos indiciados afirmaram que estão enfrentando enorme dificuldade para obter o teor da acusação.
Reafirmo: não havia possibilidade de o Alto Comando do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica aderirem a um rompimento da ordem. Baseio-me, na minha convivência com coronéis que estavam sendo preparados para o generalato, os quais demonstravam um compromisso inabalável com a Constituição.
Outro ponto importante é a definição de “tentativa” no contexto legal. Para que haja um atentado violento ou uma grave ameaça, é necessário que existam atos concretos que caracterizem a tentativa. Até o momento, não há evidências de tais atos. Fala-se, por exemplo, de uma pessoa que teria ido à casa do Ministro Alexandre de Moraes. Tal situação, entretanto, poderia ter sido contida pelas forças de segurança que acompanham o Ministro.
Se não houve início da execução, ou seja, se os atos necessários para caracterizar a tentativa não ocorreram, o crime inexiste, conforme determina o Código Penal (art. 14, II). É fundamental que isso seja apurado com serenidade e o ministro Alexandre de Moraes, como figura central nesse caso, deve permitir que o Ministério Público e os demais Ministros apreciem as acusações.
Além disso, a morte de figuras públicas, por mais trágica que seja, não implica automaticamente no rompimento de uma democracia. Um exemplo disso foi o assassinato do presidente Kennedy nos Estados Unidos, que não abalou as estruturas democráticas daquele país.
No momento em que as notícias sobre esses fatos assumem um tom de escândalo generalizado, é essencial que uma análise seja feita com cautela. Como já afirmei, rejeito completamente qualquer atentado contra a vida de autoridades, mas insisto que é necessário examinar se houve ou não atos concretos que configurem essa tentativa e a de extinção do Estado Democrático de Direito.
Como um antigo professor da Escola do Comando de Estado-Maior do Exército, até 2022, reafirmo que a esmagadora maioria dos generais jamais apoiaria um rompimento da ordem constitucional. É algo que trago à reflexão, sempre destacando que devemos buscar a verdade dos fatos com serenidade e profundidade, examinando todas as provas para, então, definir as consequências legais.
Ives Gandra da Silva Martins é professor e advogado
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ARTIGO
Segundas-feiras, segundas chances
Ele é um homem grande. Deve ter sido um jovem bonito, ainda guarda seu charme. Assumiu a calvície e usa sempre um boné estiloso. A idade tem cobrado sua conta. Problemas na coluna, dores constantes e ele sempre resistente. Fala alto e forte, mas seu coração é ainda maior. Nos despedimos e ele falou que pensaria melhor se manteria a remuneração dos filhos.
Segunda-feira é meu dia preferido da semana. Geralmente estou descansada e cheia de planos, mas essa não era uma segunda-feira qualquer. Era uma manhã ensolarada de final de inverno e não estava com a energia habitual. Meu pai havia partido duas semanas antes. Não sem anunciar. Ele estava avisando havia meses. Já era motivo de piada na família, mas eu sabia que era real. Ainda assim, quando aconteceu, a dor me atravessou e desorganizou.
Minha mãe morreu numa madrugada de sábado sete anos antes. No domingo, meu pai reuniu os quatro filhos e anunciou “Amanhã é segunda, quero ver vocês todos trabalhando. Sua mãe foi uma mulher digna que abriu mão da vida profissional para educar vocês. Honrem sua mãe e cumpram suas obrigações”.
Aquelas palavras ainda ecoavam na minha alma e eu tentava cumprir a agenda de trabalho. O final de semana havia sido intenso. Tinha acabado de voltar do interior do Rio de Janeiro para auxiliar três famílias entrelaçadas por negócios, alianças e conflitos.
Dias intensos de trabalho e uma longa viagem tinham exaurido minhas forças. O descanso de domingo não tinha sido suficiente.
Ao chegar ao trabalho, recebi a mensagem e fiquei em dúvida se responderia. Não estava prevista na rotina assoberbada daquela segunda o atendimento àquela cliente, mas o hábito e a curiosidade se impuseram. E o amor, pois se tratava de uma família muito querida cujo fundador com mais de 80 anos é bastante ativo na empresa.
A filha reclamava que o pai se recusava a cumprir as decisões que havíamos tomado na última reunião do Conselho. Não queria mais criar os novos cargos para os filhos e muito menos pagar a remuneração combinada. Imediatamente telefonei para o pai e perguntei se podíamos marcar uma reunião para aquela tarde.
Peguei o carro e fui falar pessoalmente com o fundador. No caminho, fui refletindo sobre as relações familiares, principalmente as que são permeadas pelos negócios. Quando estamos juntos, reclamamos. Quando a vida nos impõe a separação absoluta pela morte, choramos.
Eu estava em luto, mas sabia que sair da minha dor para auxiliar outros ajudava a curar mais rápido. Com esses pensamentos, fui dirigindo até a empresa e sua nova sede recém-instalada em um moderno condomínio empresarial.
Chegando lá, a recepcionista me atendeu com o sorriso de sempre. Ao longo dos anos, constatei que as secretárias são um termômetro da reputação dos consultores nas empresas. Esse era um bom sinal. A mudança de humores do fundador e sua recusa em cumprir a decisão ainda não havia abalado minha função na empresa. O encontro presencial se mostrava oportuno e prudente para não escalar o conflito.
Ele estava à minha espera e me levou a uma sala nova de reunião que eu ainda não conhecia. A sala com paredes de vidro não nos permitia a privacidade necessária para aquela reunião, mas se a escolha era dele, do dono, só me restava entrar na dança já que ali era ele que conduzia o ritmo.
Ao sentarmos, ele foi logo dizendo “Foi minha filha que te avisou? Eu não vou pagar nada do que vocês estão querendo. Você não conhece as reais condições financeiras da empresa. Vocês estão sonhando. Vão quebrar a empresa”.
Bebi um gole de água, procurei modular a voz para o tom mais agradável possível e respondi que eu havia sido contratada justamente para isso: trazer os filhos para dentro da operação. Que conhecia sim os números da empresa, pois eram apresentados em todas as reuniões. Que já era hora de tratar os filhos como sócios, atribuindo responsabilidades e remunerando pelo trabalho.
Se esse não fosse o propósito, não justificava minha contratação, nem a constituição do Conselho. Era melhor acabar com mais essa despesa e voltar tudo como era antes.
Ele escutou, não retrucou, tomou sua água e fiquei imaginando se ele também bebia para ajudar a engolir os fatos ou se era só sede mesmo. O dia estava quente e os ânimos também. O ar condicionado da sala nova não era capaz de resfriar os nossos pensamentos.
Diante do silêncio que se prolongava, desabafei:
– O senhor ficou sabendo que despedi do meu pai há poucos dias?
– Sei, mas não quis tocar no assunto.
– Então, fico pensando em como vocês ainda podem aproveitar o tempo que tem juntos, pois ele é precioso demais.
Ele pegou na minha mão e disse para não chorar, que a vida é assim mesmo, chegamos e saímos dela sem aviso.
Ele é um homem grande. Deve ter sido um jovem bonito, ainda guarda seu charme. Assumiu a calvície e usa sempre um boné estiloso. A idade tem cobrado sua conta. Problemas na coluna, dores constantes e ele sempre resistente. Fala alto e forte, mas seu coração é ainda maior. Nos despedimos e ele falou que pensaria melhor se manteria a remuneração dos filhos.
Dividir o processo de decisão não é fácil. Não é uma questão de passar o bastão da liderança, mas, sim, de conviver com toda a diversidade de pensamentos, opiniões e atitudes. Um desafio para quem tem família e negócios juntos, outro para quem lida com famílias empresárias.
Segundas continuam sendo meu dia preferido da semana. Elas representam o recomeçar, refazer, aperfeiçoar, enfim, usufruir de uma segunda chance enquanto estamos vivos e atuantes.
Melina Lobo é Conselheira de Administração e Advogada
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