Reforma tributária: relatório eleva imposto sobre bebida e cigarro
Após quase dois anos de discussões, o Senado apresentou hoje (5) o relatório para a reforma dos tributos sobre o consumo. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110 unifica tributos, institui um imposto especial para desestimular o consumo de bebidas e cigarros no lugar do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e finaliza as isenções para produtos da cesta básica, inserindo no lugar um programa que devolve dinheiro diretamente às famílias de renda menor.
O texto foi entregue pelo relator, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), aos líderes partidários da Casa. Apresentada em 2019, com base num texto que tramitava desde 2004, a proposta não se sobrepõe à PEC 45, cuja comissão especial foi extinta em maio. O texto também tramita paralelamente ao projeto de lei apresentado pelo governo no ano passado e que teve o relatório lido em maio.
Com o objetivo de simplificar a tributação ao longo da cadeia produtiva e eliminar repasses para os preços finais, a PEC 110 não trata da reforma do Imposto de Renda (IR). Aprovada na Câmara no início de setembro, as mudanças no IR estão em tramitação no Senado.
Unificação
O texto apresentado por Roberto Rocha unifica contribuições federais que incidem sobre o faturamento das empresas e funde impostos estaduais e municipais em outro imposto. Pela proposta, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) substituirá a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep).
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) substituirá o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), arrecadado pelos estados, e o Imposto sobre Serviço (ISS), de responsabilidade dos municípios. Tanto a CBS como o IBS não são cumulativos – não sendo cobrados repetidamente em cada etapa da cadeia produtiva – e incidem apenas sobre o valor agregado em cada fase da produção e da comercialização do produto ou do serviço.
A proposta não unificou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e o salário-educação no novo tributo federal. Mesmo assim, o texto é mais amplo que o projeto do governo, que unifica apenas a Cofins, o PIS e o Pasep e não trata dos tributos estaduais.
Estados e municípios
Em relação ao IBS, o texto propõe que haja uma legislação única para os 26 estados, o Distrito Federal e os municípios. Essa legislação seria instituída por uma lei complementar, a ser aprovada depois da PEC. A legislação única poria fim à guerra fiscal entre os estados, que ao longo das últimas décadas concederam individualmente benefícios e isenções para atraírem empregos. A cobrança seria no destino, no local onde a mercadoria foi consumida. Atualmente, o ICMS e o ISS são cobrados na origem, com parte do ICMS sendo repassada ao estado consumidor.
Apesar de unificar a legislação, a PEC permite que cada ente público defina a própria alíquota, mas ela será uniforme para bens e serviços dentro de cada governo local. Segundo o relator, a imposição de uma alíquota única para todos os estados e municípios feriria a autonomia dos estados e dos municípios definida pela Constituição.
O IBS seria repartido entre os municípios da seguinte forma: 60% proporcionais à população, 5% distribuídos igualmente entre as prefeituras e 35% livremente definidos pelas legislações estaduais. O imposto não seria incorporado à base de cálculo, não incidindo sobre a cobrança de tributos federais e pondo fim à cobrança do “imposto por dentro”, apontada por especialistas como uma das maiores distorções do sistema tributário atual.
A cobrança no destino dos tributos ligados ao consumo teria um prazo de transição de 20 anos, contra 50 anos que constava no texto original, apresentado em 2019. Em contrapartida, a eliminação dos atuais benefícios sobre o ICMS teria o prazo de transição ampliado de cinco para sete anos.
Benefícios fiscais
A lei complementar que instituirá o IBS pode trazer alíquotas reduzidas e isenções para vários setores da economia, como agronegócio, gás de cozinha, educação, saúde, transporte público e compras de entidades beneficentes. Camadas mais pobres da população seriam beneficiadas com a devolução direta de impostos.
Em contrapartida, atividades como operações com combustíveis, lubrificantes e produtos relacionados ao fumo, serviços financeiros e operações com imóveis poderiam ter alíquotas mais altas. Diferentemente do modelo atual, os benefícios e as alíquotas elevadas seriam definidos nacionalmente, em legislação única, não a critério de cada estado ou município, como ocorre hoje.
Embora a maioria dos benefícios fiscais fique a cargo da lei complementar, o texto da PEC estabelece a manutenção de benefícios como a Zona Franca de Manaus, as Zonas de Processamento de Exportação, o Simples Nacional (regime especial para micro e pequenas empresas) e as compras governamentais (compras feitas pelo governo).
Imposto seletivo
O IPI seria substituído pelo Imposto Seletivo (IS), que incidiria sobre bebidas alcoólicas, derivados do tabaco, alimentos e bebidas com açúcar e produtos prejudiciais ao meio ambiente. Popularmente chamado de “Imposto sobre o pecado”, esse tributo teria o objetivo de desestimular o consumo desses produtos, com o governo federal tendo um prazo para instituir a cobrança e fixar as alíquotas em lei ordinária.
O IS não seria cobrado nas exportações, tendo o objetivo apenas de conter o consumo interno dessas mercadorias. Assim como ocorre no IPI, a arrecadação caberia ao governo federal, que depois repartiria as receitas com os estados e os municípios.
Cesta básica
Atualmente isentos de tributos federais, os produtos da cesta básica perderiam o benefício. Em troca, seria feita uma devolução dos tributos que incidem sobre esses bens a famílias inscritas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), num mecanismo a ser regulamentado por lei complementar.
Segundo o relatório, a isenção da cesta básica não ajuda a redistribuir renda porque beneficia tanto famílias pobres como famílias ricas. Além disso, nem sempre o benefício é repassado ao preço final.
Lanchas e jatinhos
Em relação aos impostos sobre o patrimônio, o relatório institui a cobrança de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para veículos aquáticos e aéreos, como iates, jet skis e jatinhos. A proposta pretende fazer os mais ricos pagarem mais impostos.
Em contrapartida, os veículos destinados a transporte público de passageiros, transporte de cargas e empresas de pesca artesanal seriam isentos. Assim como barcos e demais veículos aquáticos de populações indígenas e ribeirinhas.
O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) teria a base de cálculo atualizada pelo menos uma vez a cada quatro anos. O teto corresponderia ao valor de mercado do imóvel.
Edição: Fábio Massalli
POLÍTICA NACIONAL
Câmara aprova regime de urgência para projeto que limita multas e elimina penalidades do Fisco
“A redução de penalidades desproporcionais pode beneficiar tanto o governo quanto o setor produtivo”, diz especialista.
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência para a tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 124/2022, que propõe alterar as regras de atuação do Fisco com o objetivo de solucionar conflitos tributários antes que sejam judicializados. Entre os principais pontos do texto estão a limitação das multas tributárias e a eliminação de penalidades em casos de confissão espontânea de débitos.
Para Marcelo Costa Censoni Filho, advogado especialista em Direito Tributário, a proposta reflete uma aplicação prática do princípio constitucional do não-confisco, previsto no art. 150, IV, da Constituição Federal. “Multas desproporcionais, que ultrapassam os limites da razoabilidade, comprometem o patrimônio do contribuinte de forma excessiva. A fixação de limites protege o cidadão de arbitrariedades e assegura que o sistema tributário opere dentro dos parâmetros constitucionais”, explica.
Segundo o advogado, medidas como a eliminação de penalidades em casos de confissão espontânea também reforçam a segurança jurídica, reduzindo a possibilidade de judicialização de conflitos e promovendo maior previsibilidade para os contribuintes. “Essa abordagem incentiva a conformidade tributária, criando um ambiente mais equilibrado entre contribuintes e o Fisco”, complementa.
Embora a proposta represente um avanço, Marcelo Censoni avalia que as mudanças não são suficientes para transformar, por si só, a relação entre contribuintes e Fisco em algo mais colaborativo. “A construção de uma interação equilibrada exige ajustes legislativos mais amplos, além de iniciativas para fortalecer a segurança jurídica e reduzir a complexidade tributária”, destaca.
O PLP 124/2022 também prevê a introdução de mecanismos como arbitragem, mediação e transação tributária para a solução de disputas. Essas ferramentas, segundo o especialista, têm potencial de reduzir significativamente o volume de processos tributários no Judiciário, desde que devidamente regulamentadas e implementadas com imparcialidade. “A arbitragem, por exemplo, pode solucionar disputas em até 12 meses, um prazo bem menor do que o tradicional trâmite judicial”, afirma.
Outro aspecto relevante abordado no projeto é o impacto econômico das novas regras de multa. De acordo com Marcelo Censoni, a redução de penalidades desproporcionais pode beneficiar tanto o governo quanto o setor produtivo. “Ao simplificar procedimentos administrativos e reduzir litígios, o governo otimiza a arrecadação tributária e economiza recursos. Para as empresas, a diminuição do peso financeiro das multas traz maior previsibilidade e incentiva o planejamento econômico”, analisa.
O especialista reforça, contudo, que é essencial observar os princípios constitucionais de razoabilidade e proporcionalidade para evitar impactos negativos na competitividade empresarial. “Um sistema tributário justo e eficiente precisa alinhar os interesses do Estado e do setor produtivo de forma sustentável”, conclui.
O texto do PLP 124/2022 agora segue para análise final, com a expectativa de que as medidas tragam maior equidade e eficiência ao sistema tributário brasileiro.
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