O Brasil e a ONU
Declarações estapafúrdias do Presidente da República já se tornaram tão frequentes que não causam espanto.
Entretanto, algumas declarações, igualmente estapafúrdias, devem ser repudiadas, de modo que o silêncio não seja interpretado como se fosse complacência.
O Presidente expressou sua opinião de que a ONU não serve para nada.
Segundo ele, é um local de reunião de comunistas. Por esta razão, o Brasil deve retirar-se dessa instituição.
Esse propósito do Presidente é impossível de ser realizado, pois exigiria aprovação do Congresso e o repúdio da opinião pública seria veemente impedindo o desiderato.
O Brasil é membro fundador da ONU. Sua Assembleia Geral foi presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha.
A ONU é a principal fiadora da Declaração Universal dos Direitos Humanos, declaração que também não conta com a simpatia do nosso atual Presidente.
O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que:
a) todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos;
b) todos os homens são dotados de razão e consciência;
c) o espírito de fraternidade deve orientar as relações entre as pessoas.
Na primeira afirmação, o artigo consagra a liberdade. Os homens nascem livres, não nascem escravos. A liberdade é traço que caracteriza e define a condição humana.
Os homens nascem iguais. Não há privilégios de nascimento. Em outras palavras, o que se estabelece é a igualdade universal dos seres humanos.
Diz-se depois que todos os homens são dotados de razão e consciência. A razão, a consciência não é privilégio de uma classe, estamento ou grupo de pessoas.
Em razão de sua humanidade, toda pessoa é capaz de pensar e decidir. Não há iluminados, predestinados, ou escolhidos. Em nome de uma pretensa e falsa “iluminação”, pessoas ou grupos de pessoas, pretenderam, no correr da História e ainda pretendem, no mundo contemporâneo, usufruir de título para pensar, julgar e dedicir pelos outros.
Não há iluminados, predestinados, ou escolhidos. Em nome de uma pretensa e falsa “iluminação”, pessoas ou grupos de pessoas pretenderam, no correr da História e ainda pretendem, no mundo contemporâneo, usufruir de título para pensar, julgar e decidir pelos outros.
Deve ser banida toda idéia de superioridade, poia tem como objetivo dominar e oprimir pessoas, classes, raças ou povos.
Há pessoas que não são dotadas de razão ou têm a razão bloqueada por doença, em grau maior ou menor.
Esta condição de carência ou de déficit intelectual pode ser de nascença ou sobrevir no curso da existência.
Estas pessoas têm a mesma dignidade das demais. Se quisermos ser ainda mais exatos diremos que nestas pessoas a dignidade humana é realçada.
Elas têm direito a educação especial, sagrado respeito e profundo carinho.
Finalmente diz o artigo que as pessoas devem agir umas em relação às outras com espírito de fraternidade.
Diante de tudo isso, penso que não há argumento algum que deva ser apresentado ao Presidente. Será melhor o silêncio de indignação.
João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado (ES) e escritor – e-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
Jornal do Vale, desde 1975 – www.jvonline.com.br
ARTIGO
PEC 6X1: oportunidade para o debate franco acerca da legislação trabalhista
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6X1, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), tem como objetivo a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, mantendo os salários e reorganizando a carga semanal em até quatro dias. Essa proposta vem ao encontro de tendências globais, onde o debate sobre a jornada de trabalho e sua adaptação aos novos tempos — especialmente com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial — tem ganhado força.
A PEC 6×1, inspirada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), idealizado pelo vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), pode ser vista como um ponto de partida para uma análise mais profunda sobre o sistema trabalhista brasileiro e suas limitações, tanto para trabalhadores quanto para empregadores.
A questão da jornada de trabalho reduzida é sustentada por um contexto de aumento da produtividade, impulsionado pelas inovações tecnológicas. Essas inovações permitiram que, em alguns setores, menos horas de trabalho resultassem em níveis de produção iguais ou superiores aos modelos tradicionais. No entanto, a discussão sobre a redução da jornada de trabalho não se limita aos ganhos de produtividade. Ela também envolve uma série de outros fatores, como qualidade de vida, saúde mental, e até mesmo a busca por um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Em termos práticos, a PEC 6X1 procura responder à demanda por uma jornada de trabalho que promova o bem-estar dos trabalhadores sem sacrificar o desempenho econômico. Entretanto, há obstáculos no que diz respeito à aplicabilidade da medida no contexto brasileiro. O arcabouço jurídico trabalhista do país, com regulamentações amplas, visa proteger o trabalhador, mas frequentemente é apontado como um fator que engessa a iniciativa privada e dificulta a criação de empregos.
A complexidade e os custos associados ao cumprimento das leis trabalhistas brasileiras muitas vezes desestimulam empresários, especialmente os pequenos e médios, de contratar formalmente. O excesso regulatório pode ser, em parte, responsável pela baixa produtividade e pela informalidade ainda presente no mercado de trabalho brasileiro.
Além disso, o Brasil já enfrenta desafios específicos em relação ao mercado de trabalho, como a escassez de mão de obra em algumas regiões e o aumento da informalidade. Há também uma pressão social crescente para ajustar programas de assistência, como o Bolsa Família, para que realmente sirvam como apoio temporário, incentivando a entrada no mercado de trabalho. Isso alinha-se à célebre frase do ex-presidente americano Ronald Reagan, para quem “o melhor programa social é o emprego”. Nesse sentido, um mercado de trabalho desburocratizado e uma política de assistência social orientada para a autonomia individual poderiam ser fundamentais para garantir uma economia mais forte e inclusiva.
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A PEC 6X1, assim, abre uma oportunidade rara para rever os princípios que sustentam o sistema trabalhista brasileiro e questionar se esse modelo atende às necessidades contemporâneas de um mundo em rápida mudança. Trata-se de uma chance para empreender uma reforma que, ao mesmo tempo que preserva a dignidade dos trabalhadores, valorize a iniciativa privada e encoraje a criação de empregos de qualidade. Como se diz, “quando o cavalo selado passa, é hora de pular e aproveitar a chance”.
André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP; especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; cientista político pela Hillsdale College; doutor em Economia pela Princeton University; escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).
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