Opinião
PEC 6X1: oportunidade para o debate franco acerca da legislação trabalhista
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6X1, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), tem como objetivo a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, mantendo os salários e reorganizando a carga semanal em até quatro dias. Essa proposta vem ao encontro de tendências globais, onde o debate sobre a jornada de trabalho e sua adaptação aos novos tempos — especialmente com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial — tem ganhado força.
A PEC 6×1, inspirada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), idealizado pelo vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), pode ser vista como um ponto de partida para uma análise mais profunda sobre o sistema trabalhista brasileiro e suas limitações, tanto para trabalhadores quanto para empregadores.
A questão da jornada de trabalho reduzida é sustentada por um contexto de aumento da produtividade, impulsionado pelas inovações tecnológicas. Essas inovações permitiram que, em alguns setores, menos horas de trabalho resultassem em níveis de produção iguais ou superiores aos modelos tradicionais. No entanto, a discussão sobre a redução da jornada de trabalho não se limita aos ganhos de produtividade. Ela também envolve uma série de outros fatores, como qualidade de vida, saúde mental, e até mesmo a busca por um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Em termos práticos, a PEC 6X1 procura responder à demanda por uma jornada de trabalho que promova o bem-estar dos trabalhadores sem sacrificar o desempenho econômico. Entretanto, há obstáculos no que diz respeito à aplicabilidade da medida no contexto brasileiro. O arcabouço jurídico trabalhista do país, com regulamentações amplas, visa proteger o trabalhador, mas frequentemente é apontado como um fator que engessa a iniciativa privada e dificulta a criação de empregos.
A complexidade e os custos associados ao cumprimento das leis trabalhistas brasileiras muitas vezes desestimulam empresários, especialmente os pequenos e médios, de contratar formalmente. O excesso regulatório pode ser, em parte, responsável pela baixa produtividade e pela informalidade ainda presente no mercado de trabalho brasileiro.
Além disso, o Brasil já enfrenta desafios específicos em relação ao mercado de trabalho, como a escassez de mão de obra em algumas regiões e o aumento da informalidade. Há também uma pressão social crescente para ajustar programas de assistência, como o Bolsa Família, para que realmente sirvam como apoio temporário, incentivando a entrada no mercado de trabalho. Isso alinha-se à célebre frase do ex-presidente americano Ronald Reagan, para quem “o melhor programa social é o emprego”. Nesse sentido, um mercado de trabalho desburocratizado e uma política de assistência social orientada para a autonomia individual poderiam ser fundamentais para garantir uma economia mais forte e inclusiva.
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A PEC 6X1, assim, abre uma oportunidade rara para rever os princípios que sustentam o sistema trabalhista brasileiro e questionar se esse modelo atende às necessidades contemporâneas de um mundo em rápida mudança. Trata-se de uma chance para empreender uma reforma que, ao mesmo tempo que preserva a dignidade dos trabalhadores, valorize a iniciativa privada e encoraje a criação de empregos de qualidade. Como se diz, “quando o cavalo selado passa, é hora de pular e aproveitar a chance”.
André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP; especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; cientista político pela Hillsdale College; doutor em Economia pela Princeton University; escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).
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ARTIGO
A licença-paternidade e o desafio de não elevar ainda mais o custo Brasil
Em um momento em que ainda se discute a necessidade de redução da carga tributária das empresas por meio da Reforma Tributária e que já começam as notícias sobre a necessidade de uma nova Reforma Previdenciária, não vislumbramos como se avançar nesse debate como se fossem questões completamente dissociadas. Não são.
Por pressão legítima de entidades da sociedade civil organizada, a discussão sobre o aumento da licença-paternidade tem aumentado nos últimos anos. É difícil ser contra a ideia de que os pais possam participar mais ativamente do início da vida dos seus filhos, assumindo uma maior responsabilidade pelos seus cuidados.
A necessidade de regulamentação desse direito está prevista no art. 7º, inciso XIX, da Constituição Federal. Enquanto não regulamentado, define o artigo 10, § 1º, da ADCT que o prazo da licença-paternidade é de cinco dias.
Recentemente foi levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) a omissão na regulamentação do art. 7º, inciso XIX, da Constituição. A conclusão foi no sentido de reconhecimento da omissão do Poder Legislativo, fixando-se o prazo de 18 meses para o Congresso Nacional sanar essa omissão. Caso não o faça, provavelmente o STF o fará, podendo estabelecer a equiparação entre os prazos das licenças maternidade e paternidade.
Há mais de cem projetos de lei versando atualmente sobre o tema no Congresso Nacional, mas um dos principais traz uma ampliação gradual do prazo da licença-paternidade, podendo chegar a até 60 dias[1], custeada pela previdência social.
É importante que se tenha consciência, entretanto, que com esse prazo de licença o Brasil passará a ter uma das maiores licenças-paternidades do mundo, ficando mais próximo de países como a Eslovênia e a Finlândia.
Destoaremos, assim, da totalidade dos países da América Latina, em que a licença-paternidade está na média de cinco dias. Os que possuem prazo maior, que são Colômbia, Equador e Venezuela, oferecem licenças remuneradas de 8, 10 e 14 dias, respectivamente.
A razão pela qual esses países não adotam prazos maiores está ligada, sem dúvida, aos custos decorrentes e aos impactos sobre a competitividade das empresas. É impossível ignorar o “custo dos direitos”, para lembrar o título da famosa obra de Holmes e Sunstein, ainda mais em matéria de seguridade social.
Ora, foi para evitar que o Poder Público continuasse cedendo à pressão de grupos que pleiteiam direitos previdenciários os mais diversos que o Constituinte determinou que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total” (art. 195, § 5º, CF/88).
O caráter social da previdência social não sobrevive sem a observância do seu aspecto contributivo e a preservação do seu equilíbrio financeiro e atuarial, como as sucessivas reformas previdenciárias têm sinalizado e reforçado.
Em um momento em que ainda se discute a necessidade de redução da carga tributária das empresas por meio da Reforma Tributária e que já começam as notícias sobre a necessidade de uma nova Reforma Previdenciária, não vislumbramos como se avançar nesse debate como se fossem questões completamente dissociadas. Não são.
Nesse mesmo sentido, se os custos da ampliação da licença-paternidade forem das empresas há de se considerar já o elevado custo da contratação formal no país. A decisão de eventual ampliação da licença deve ser realística, levando-se em conta a capacidade da Previdência e das empresas, de modo a não engrossar ainda mais o custo Brasil, com impactos na competitividade e na geração de empregos formais.
De toda forma, que o Congresso Nacional é quem possui as melhores condições de definir sobre essa alocação de custos e de direitos. Espera-se, assim, que o Poder Legislativo exerça de forma adequada essa prerrogativa dentro do prazo fixado pelo Supremo, sem se olvidar dos princípios e diretrizes que dão sustentação ao nosso já combalido sistema de seguridade social e a sustentabilidade das empresas.
Ana Paula De Raeffray e Franco Mauro Russo Brugioni são advogados
[1] Nesse sentido, o PL nº 6216/2023, em trâmite na Câmara dos Deputados, fruto do trabalho do Grupo de Trabalho pela Regulamentação e Ampliação da Licença-Paternidade da Secretaria da Mulher.
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