Opinião

A agricultura irrigada no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Qual o papel da agricultura irrigada nessa Agenda tão desafiadora? A cada dia, o fortalecimento da agricultura irrigada se mostra um imperativo para a segurança na produção de alimentos, fibras e energia no mundo, e ela deve estar cada vez mais alinhada à política agrícola e ambiental dos países, bem como ser ambientalmente sustentável, economicamente viável e socialmente justa.

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Plantio irrigado de mandioca na Embrapa Cerrados.

Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU), pensando nos próximos 15 anos e nos problemas mais críticos a serem enfrentados pela humanidade, lançou o desafio aos seus 193 Estados-membros, incluindo o Brasil, de uma Agenda propositiva que pudesse potencializar o desenvolvimento sustentável e melhorar a vida das pessoas.

Nessa Agenda, denominada de Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, construída a partir de um processo participativo coordenado pela ONU, foram propostos 17 Objetivos, denominados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para acompanhar o cumprimento desses objetivos, foram propostas 169 metas associadas que são integradas e indivisíveis, de natureza global e universalmente aplicáveis, tendo em conta as diferentes realidades, capacidades e níveis de desenvolvimento nacionais e respeitando as políticas e prioridades de cada país.

Os ODS, em síntese, visam garantir os direitos humanos; erradicar a pobreza e a fome; garantir água, saneamento e energia para todos; oferecer saúde e educação de qualidade para todos; combater as desigualdades e as injustiças; promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas; enfrentar a degradação ambiental e as mudanças climáticas; proteger a biodiversidade; estimular o desenvolvimento sustentável; além de promover sociedades pacíficas e inclusivas até o ano de 2030.

Qual o papel da agricultura irrigada nessa Agenda tão desafiadora? A cada dia, o fortalecimento da agricultura irrigada se mostra um imperativo para a segurança na produção de alimentos, fibras e energia no mundo, e ela deve estar cada vez mais alinhada à política agrícola e ambiental dos países, bem como ser ambientalmente sustentável, economicamente viável e socialmente justa.

A agricultura irrigada traz benefícios diretos à produção de alimentos e benefícios indiretos em relação ao emprego, ao ambiente, à economia e à qualidade de vida das pessoas. Dessa forma, contribui direta ou indiretamente para vários ODS da Agenda 2030.

Por aumentar a produtividade em até cinco vezes, dependendo da cultura, a agricultura irrigada contribui diretamente com o ODS de número 2, que visa acabar com a fome e dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos. Analisando o ODS 2, observa-se que as metas 2.3 e 2.4, que objetivam dobrar a produtividade agrícola e garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos até 2030, respectivamente, dificilmente serão cumpridas sem a contribuição da agricultura irrigada.

Uma das principais características da irrigação é reduzir a influência do clima na agricultura. Ao reduzir essa influência, ela traz estabilidade à produção de alimentos, cria oportunidades ao viabilizar a produção de certas culturas e contribui para que sejam produzidos alimentos de melhor qualidade. Nesse contexto, a agricultura irrigada, embora de forma indireta, contribui também para o cumprimento das metas 2.1 e 2.2 do ODS 2, que buscam erradicar a fome e garantir o acesso de todas as pessoas a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano, bem como acabar com todas as formas de má-nutrição até 2030.

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Uma das características mais interessantes da agricultura irrigada é a sua “efetividade”, pois ela viabiliza tanto a produção durante todo o ano como a produção de alimentos em regiões com baixa disponibilidade hídrica, possibilitando o desenvolvimento da agricultura em regiões onde não seria possível produzir. Com sua efetividade, ela viabiliza o desenvolvimento de regiões com baixo potencial agrícola, possibilitando a fixação do homem no campo, construindo economias locais dinâmicas, sustentáveis, inovadoras e favorecendo o empreendedorismo, a criatividade e a inovação. Algumas culturas, como a fruticultura, onde a irrigação é essencial, pode criar mais de seis empregos por hectare – empregos duradouros e de qualidade que favorecem a mão de obra feminina, promovendo o empoderamento econômico das mulheres.

Com sua efetividade, a agricultura irrigada contribui com o ODS 1 (Erradicação da pobreza) e com o ODS 8 (Trabalho descente e crescimento econômico), principalmente para a meta 1 do ODS 1, que prevê erradicar, até 2030, a pobreza extrema para todas as pessoas, e a para as metas 8.1 e 8.6, que objetivam, respectivamente, sustentar o crescimento econômico per capita de acordo com as circunstâncias nacionais e reduzir substancialmente a proporção de jovens sem emprego, educação ou formação.

Ao intensificar a produção em uma mesma área, a agricultura irrigada é benéfica ao meio ambiente, contribuindo para reduzir as necessidades de desmatamento e a preservação da biodiversidade. A irrigação funciona como um seguro contra os períodos de incerteza hídrica, cada vez mais comuns. Na questão das mudanças climáticas, com potenciais impactos na temperatura e no regime de chuvas, a irrigação se apresenta como uma das principais tecnologias de adaptação, contribuindo para reduzir as incertezas do clima e trazendo estabilidade à produção. Contribui também com a mitigação das mudanças climáticas, uma vez que possibilita a exploração de mais de um cultivo anual, adicionando resíduos de matéria orgânica, além do acúmulo de carbono no solo. Nesse contexto, a agricultura irrigada contribui com o ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima), principalmente para a meta 13.1, que visa reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima.

Também é importante observar a contribuição da agricultura irrigada em relação aos ODS 6 e 15, Água potável e saneamento e Vida Terrestre, respectivamente, sobretudo em relação às metas 4.4 (ODS 6) e 15.1 (ODS 15). A meta 4.4 busca aumentar, até 2030, a eficiência do uso da água em todos os setores e assegurar retiradas sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, bem como reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água; já a meta 15.1 busca assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interiores. Nesses dois casos, para contribuir com esses objetivos, os sistemas de irrigação devem ser bem planejados e manejados para apresentar eficiências compatíveis com as tecnologias mais modernas. Sendo mais eficientes e utilizando uma menor quantidade de água, sem prejudicar a produção, liberam água para outros usos, contribuindo para reduzir as disputas hídricas. Sistemas com baixa eficiência de irrigação, entretanto, têm efeito contrário, e comprometem o alcance dessa meta e de outros ODS que buscam melhorar a vida das pessoas.

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Produzir alimento é o principal papel da agricultura irrigada. Ao cumprir o seu papel, ela traz desenvolvimento sustentável, empregos de qualidade e melhora a vida a vidas pessoas. Assim, o papel da agricultura irrigada para o cumprimento de metas previstas em pelo menos seis ODS da Agenda 2030 é claro. Tornar o cumprimento dessas metas factíveis é um desafio para a humanidade, que pode ser facilitado com o fortalecimento da agricultura irrigada, o que requer um planejamento estratégico e políticas que priorizem a disponibilidade de água e a energia com qualidade.

Entretanto, ainda persiste o desafio de se buscar integrar de forma efetiva e estratégica as políticas de segurança hídrica e alimentar de forma a assegurar estabilidade para a produção de alimentos. Para que o papel estratégico do Brasil no cumprimento dos ODS possa ser consolidado, é importante que os nossos agricultores tenham segurança hídrica e energética. Isto é, ao se pautar questões essenciais que envolvam os recursos hídricos e o desenvolvimento da energia no País, deve-se colocar nessa pauta, como política de estado e de maneira estratégica, a irrigação como a principal tecnologia para garantir estabilidade e sustentabilidade à produção de alimentos.

Lineu Neiva Rodrigues é pesquisador da Embrapa Cerrados

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ARTIGO

Índice de viabilidade de produção de culturas anuais pode contribuir para a sustentabilidade da agricultura

Identificar, em grandes regiões como a do Cerrado, áreas mais aptas a se produzir, tanto em condições de sequeiro como sob irrigação, é estratégico para o estabelecimento de políticas públicas que visem ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da qualidade de vida das pessoas. A identificação de regiões mais aptas a se produzir é parte crucial de um planejamento estratégico, cujo desenvolvimento tem sido dificultado pela falta de entendimento da complexa interação existente entre clima, solo e planta. A dificuldade no planejamento é aumentada pela falta de dados hidroclimáticos nas escalas de espaço e de tempo adequadas. Tal fato tem dificultado o planejamento, contribuído para aumentar os conflitos pelo uso da água e comprometido o desenvolvimento do Cerrado.

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Lavoura de soja em ponto de colheita no Cerrado. Foto: Fabiano Bastos

Num mundo onde os desafios associados à produção sustentável de alimentos se intensificam, o crescimento da agricultura deve ser bem plenejado e ordenado para reduzir tanto os impactos do clima sobre a produção de alimentos como a demanda de água azul – aquela encontrada em cursos d’água, lagos e reservatórios. Nesse contexto, é fundamental dispor de metodologias e ferramentas que possam apoiar políticas públicas que visem ao desenvolvimento regional sustentável.

A produção mundial de alimentos precisará aumentar em aproximadamente 60% para atender a demanda projetada para o ano de 20501. O desafio é aumentar a produção de forma sustentável, compatibilizando aspectos ambientais, econômicos e sociais2.

O clima é o fator que tem mais influência na produção agrícola. A incerteza, especialmente quanto às chuvas, principal fonte de água para as culturas, compromete a estabilidade da produção de alimento, sobretudo na agricultura de sequeiro, e coloca em risco a segurança hídrica de bacias hidrográficas3.

No Brasil, principal produtor e exportador de diversas commodities agrícolas, tem-se observado a redução da produção agrícola em vários locais em virtude da redução e/ou da má distribuição das chuvas, principalmente na região do Cerrado4, que responde por cerca de 45% da área agrícola nacional5.

Estima-se, por meio de estudos relacionados às projeções climáticas no Cerrado, aumentos na temperatura, prolongamento da estação seca e redução na disponibilidade hídrica, o que pode comprometer a agricultura na região, especialmente a agricultura de sequeiro6. Essas projeções têm implicações ainda mais significativas para áreas já sujeitas a conflitos relacionados ao uso e alocação de água7.

É imprescindível desenvolver resiliência diante das mudanças climáticas e mitigar os conflitos pelo uso da água. Entre as alternativas destacadas, inclui-se a intensificação de práticas agrícolas em áreas já cultivadas, como pastagens degradadas, bem como aprimorar a gestão e o planejamento dos recursos hídricos locais com base em informações hidrológicas básicas e confiáveis.

No contexto da intensificação, a irrigação se apresenta como uma das estratégias com maior potencial para aumentar a produção em uma mesma área, reduzindo os efeitos negativos do clima. Por outro lado, o crescimento da irrigação, maior usuária de recursos hídricos no Brasil, tem que ser bem coordenado para não intensificar os conflitos pelo uso da água, principalmente naquelas regiões que já se encontram com baixa disponibilidade hídrica. O principal desafio nessas regiões está em conciliar a expansão da irrigação, visando à estabilidade na produção de alimentos, com a disponibilidade de recursos hídricos8. No Cerrado, é cada vez mais importante produzir mais com uma menor quantidade de água9.

O desenvolvimento de várias regiões está pautado na sua capacidade de desenvolver a agricultura de forma sustentável10. A previsão da Agência Nacional de Águas é de que a área irrigada no Brasil aumentará em 3,64 milhões de hectares até o ano de 203011. Cerca de 64% da área irrigada no Brasil está na região do Cerrado12.

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Essa região, onde a agricultura é a base da economia, já apresenta várias áreas em situação de estresse hídrico e com diferenças sociais devido às diferentes oportunidades de acesso à água. O crescimento da agricultura no Cerrado deve ser muito bem planejado, priorizando culturas mais aptas, datas de plantios mais adequadas, rotações de cultura mais sustentáveis e evitando regiões com baixa disponibilidade hídrica. O crescimento desorganizado compromete a segurança hídrica e alimentar, piorando a qualidade de vida das pessoas.

Identificar, em grandes regiões como a do Cerrado, áreas mais aptas a se produzir, tanto em condições de sequeiro como sob irrigação, é estratégico para o estabelecimento de políticas públicas que visem ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da qualidade de vida das pessoas. A identificação de regiões mais aptas a se produzir é parte crucial de um planejamento estratégico, cujo desenvolvimento tem sido dificultado pela falta de entendimento da complexa interação existente entre clima, solo e planta. A dificuldade no planejamento é aumentada pela falta de dados hidroclimáticos nas escalas de espaço e de tempo adequadas. Tal fato tem dificultado o planejamento, contribuído para aumentar os conflitos pelo uso da água e comprometido o desenvolvimento do Cerrado.

Por outro lado, essa situação oportuniza o uso de ferramentas de planejamento, como os indicadores de sustentabilidade. Em relação à disponibilidade hídrica, vários indicadores de sustentabilidade foram desenvolvidos13. Porém, eles não possibilitam, pelo menos de forma direta, uma avaliação comparativa da aptidão produtiva de áreas dentro de uma região, reduzindo a oportunidade de desenvolvimento de áreas com menor aptidão. Uma ferramenta adequada deve, portanto, ser capaz de indicar as áreas mais adequadas ao desenvolvimento da agricultura irrigada e de sequeiro, considerando as melhores épocas de semeadurea, variedades e rotações de culturas.

Uma das iniciativas nesse sentido foi o estudo desenvolvido pela Embrapa Cerrados em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV). Nesse estudo, foi desenvolvido o Índice de Viabilidade para Produção de Culturas Anuais (IVP) para avaliar as áreas mais adequadas em uma determinada região para a produção de culturas anuais de sequeiro e irrigadas. O IVP foi desenvolvido para subsidiar políticas públicas que contribuem para o crescimento sustentável da agricultura de sequeiro e irrigada. O IVP indica áreas, dentro de regiões, que sejam mais viáveis à produção de culturas agrícolas anuais, com foco na demanda e na oferta hídrica. O seu valor varia de zero a um. Quanto mais próximo da unidade, maior a aptidão da área para se produzir uma determinada cultura ou rotação de culturas. O IVP pode ser utilizado para comparar aptidões entre áreas de uma região, considerando diferentes datas de plantio e rotações de cultura.

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O IVP é formado por dois indicadores para representar a agricultura irrigada (ISDIA) e de sequeiro (ISDRA), que por sua vez são compostos por cinco indicadores cada. No estudo da Embrapa e da UFV, o IVP foi aplicado no Bioma Cerrado para a cultura da soja, considerando três épocas de semeadura – 15 de setembro, 15 de outubro e 15 de novembro. Para obter o IVP do Bioma Cerrado, foi desenvolvido um modelo computacional em linguagem de programação Python. Esse modelo simulou mais de 20 mil regiões (pixels), realizando mais de 320 mil simulações. Além de avaliar a aptidão agrícola das áreas de Cerrado em relação a cada data de plantio, foi avaliada a melhor data de plantio em cada área.

Os resultados indicaram que a viabilidade da produção de soja é mais favorável nas regiões Noroeste, Norte e Nordeste do Cerrado, quando o plantio é feito nos meses de outubro e novembro, em comparação com setembro. Embora haja pouca variação entre outubro e novembro nessas regiões, o mês de outubro se destaca com valores mais altos. Já na região Central do bioma, a diferença entre o plantio em setembro e outubro não é significativa. No entanto, quando se compara o plantio em setembro e em novembro, torna-se evidente que o mês de setembro é a escolha mais vantajosa. E nas regiões Leste, Sudeste, Sudoeste e Oeste, o plantio em setembro se mostra mais viável em comparação a outubro e novembro. Dentro dessas regiões, outubro, de maneira geral, se destaca como o mês de maior aptidão para o cultivo de soja. Essas descobertas oferecem valiosas diretrizes para os agricultores na escolha das datas de plantio.

O Índice de Viabilidade para Produção de Culturas Anuais é uma ferramenta que foi desenvolvida para subsidiar o planejamento, visando ao desenvolvimento organizado e sustentável da agricultura. Ele se apresenta, portanto, como uma ferramenta para os gestores e produtores avaliarem a aptidão agrícola de áreas dentro de uma região, indicando as melhores culturas, épocas de plantio e rotações de cultura.

Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados e Fernanda Laurinda Valadares, doutora em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa.

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