Opinião
A reforma Tributária em curso
Em outras palavras, a sensação que tenho é que corremos o risco, em 2032, – evidentemente, com 89 anos, eu não estarei aqui para ver, mas todos os leitores poderão constatar -, de continuação do velho sistema, porque o novo não deu certo.
Recentemente, participei do XXXVII Congresso de Direito Tributário, promovido pelo Instituto Geraldo Ataliba – IDEPE, em que analisei, ao lado dos melhores tributaristas do Brasil, a reforma tributária em curso.
Quero trazer aos leitores parte da preocupação que externei em minha palestra. Tenho a impressão, pela forma como reagiu o auditório, que os presentes também demonstram a mesma apreensão.
Todas as notícias propaladas pelos veículos de Comunicação são no sentido de que teremos uma simplificação do sistema tributário advinda da reforma.
Simplificação significa que, do sistema extensivo atual, deveremos ter um sistema muito mais simples, mais compreensível.
Contudo, o que ocorre? A Emenda 132, da Constituição Federal, criou três vezes mais dispositivos do que o sistema atual. Acho muito difícil algo simplificar aumentando o número de dispositivos a serem interpretados.
Revelei a minha grande preocupação, quando o projeto foi aprovado, no ano passado, no Congresso, pois não é possível falar em simplificação se, em nível constitucional, há um aumento considerável de três vezes mais disposições do que se tinha no sistema anterior.
De qualquer forma, ficamos dependentes das disposições dos novos projetos que estão sendo encaminhados.
O primeiro assusta. Para regular 1/3 do novo sistema e substituir em parte o CTN (Código Tributário Nacional) – que possui 218 artigos para disciplinar todos os tributos -, temos um projeto de 360 páginas e 499 artigos!!!
O que vale destacar é que o nosso Código Tributário, discutido durante 15 anos e que vigorou até agora, tem, repito, 218 artigos, enquanto apenas uma das leis complementares que visam simplificar o sistema tem 499 artigos. E não é a única, teremos outras.
Importante também salientar que, para que se avalie se o sistema vai dar certo ou não, até 2032, quando entrará em vigor, primeiro o CBS em 2026 e depois o IBS, em 2029, teremos dois sistemas vigorando: o atual complexo e caótico, e o novo que terá que ser estudado com três vezes mais disposições constitucionais e com o primeiro dos projetos regulamentadores com 360 páginas e 499 artigos.
Acredito que enfrentaremos um processo extremamente complicado.
As empresas necessitarão manter seu atual sistema de controle ao lado de um novo regime. Somente para aplicar o novo sistema com tantos artigos e tantas disposições haverá, certamente, que acrescentar uma nova equipe especializada.
Assim, para simplificar e manter-se até 2032, os dois sistemas juntos, a vida será mais difícil para as empresas. Estou falando do mandato do atual presidente, daquele que vai substituí-lo de 2027 a 2030, e do outro que presidirá o Brasil a partir de 2030. Durante todo esse tempo teremos os dois sistemas juntos. Alerto, pois, para a insegurança juridica que tudo isso trará.
Quero trazer um último aspecto neste artigo, dentre os outros que abordei em minha palestra: todos os Estados e Municípios médios e grandes que são chamados exportadores líquidos de bens e serviços, pois passam para os outros Estados mais mercadorias e mais serviços do que recebem, como a incidência será no destino e não mais grande parte na origem, uma parte menor no destino, perderão receita.
Os que vão ganhar ficarão muito satisfeitos, os que vão perder serão compensados pela União, na medida das suas perdas. A União deverá destinar, teoricamente, todo ano R$ 60 bilhões tanto para cuidar das suas perdas quanto para financiar outras finalidades. Terá, portanto, que destinar todo esse enorme montante para compensar quem vai perder. Será suficiente? Não se sabe.
Se uns ganham, outros não perdem, e a União precisa repassar R$ 60 bilhões, de quem é que ela retirará o recurso? Ou do aumento de tributação ou de endividamento público.
Então, apesar de querer aceitar a reforma, cada vez mais chego à conclusão de que nós corremos o risco de entrar em um caos tributário e, creio que por essa razão, eles estabeleceram o ano de 2032 para ver se tudo vai correr bem. Esta é a ideia que levou a manter o atual sistema com o novo sistema e à medida que se reduzirem as alíquotas do antigo, aumentar-se-ão as do novo.
Em outras palavras, a sensação que tenho é que corremos o risco, em 2032, – evidentemente, com 89 anos, eu não estarei aqui para ver, mas todos os leitores poderão constatar -, de continuação do velho sistema, porque o novo não deu certo.
Me sinto como naquela piada, pedindo perdão ao meu anjo da guarda por brincar com aquele que é meu protetor e cada um de nós tem um seu anjo da guarda.
É a história daquele cidadão que vem em alta velocidade em um carro, há um sinal amarelo e ele pergunta ao anjo da guarda, vou ou não vou? E ouve do anjo: “vai que dá”. E quando ele está no meio do caminho, vem uma jamanta e as últimas palavras que ele ouviu ainda vivo foi do anjo da guarda, que dizia: “não deu, não”.
Tenho receio que chegaremos em 2032 e concluiremos que “não deu não” e vamos continuar com o velho sistema.
É bem possível que às minhas objeções os sábios da reforma respondam, como Hegel a um discípulo, quando confrontado entre suas ideias e os fatos, “Pior para os fatos”.
Ives Gandra da Silva Martins é advogado e professor
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ARTIGO
PEC 6X1: oportunidade para o debate franco acerca da legislação trabalhista
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6X1, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), tem como objetivo a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, mantendo os salários e reorganizando a carga semanal em até quatro dias. Essa proposta vem ao encontro de tendências globais, onde o debate sobre a jornada de trabalho e sua adaptação aos novos tempos — especialmente com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial — tem ganhado força.
A PEC 6×1, inspirada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), idealizado pelo vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), pode ser vista como um ponto de partida para uma análise mais profunda sobre o sistema trabalhista brasileiro e suas limitações, tanto para trabalhadores quanto para empregadores.
A questão da jornada de trabalho reduzida é sustentada por um contexto de aumento da produtividade, impulsionado pelas inovações tecnológicas. Essas inovações permitiram que, em alguns setores, menos horas de trabalho resultassem em níveis de produção iguais ou superiores aos modelos tradicionais. No entanto, a discussão sobre a redução da jornada de trabalho não se limita aos ganhos de produtividade. Ela também envolve uma série de outros fatores, como qualidade de vida, saúde mental, e até mesmo a busca por um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Em termos práticos, a PEC 6X1 procura responder à demanda por uma jornada de trabalho que promova o bem-estar dos trabalhadores sem sacrificar o desempenho econômico. Entretanto, há obstáculos no que diz respeito à aplicabilidade da medida no contexto brasileiro. O arcabouço jurídico trabalhista do país, com regulamentações amplas, visa proteger o trabalhador, mas frequentemente é apontado como um fator que engessa a iniciativa privada e dificulta a criação de empregos.
A complexidade e os custos associados ao cumprimento das leis trabalhistas brasileiras muitas vezes desestimulam empresários, especialmente os pequenos e médios, de contratar formalmente. O excesso regulatório pode ser, em parte, responsável pela baixa produtividade e pela informalidade ainda presente no mercado de trabalho brasileiro.
Além disso, o Brasil já enfrenta desafios específicos em relação ao mercado de trabalho, como a escassez de mão de obra em algumas regiões e o aumento da informalidade. Há também uma pressão social crescente para ajustar programas de assistência, como o Bolsa Família, para que realmente sirvam como apoio temporário, incentivando a entrada no mercado de trabalho. Isso alinha-se à célebre frase do ex-presidente americano Ronald Reagan, para quem “o melhor programa social é o emprego”. Nesse sentido, um mercado de trabalho desburocratizado e uma política de assistência social orientada para a autonomia individual poderiam ser fundamentais para garantir uma economia mais forte e inclusiva.
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A PEC 6X1, assim, abre uma oportunidade rara para rever os princípios que sustentam o sistema trabalhista brasileiro e questionar se esse modelo atende às necessidades contemporâneas de um mundo em rápida mudança. Trata-se de uma chance para empreender uma reforma que, ao mesmo tempo que preserva a dignidade dos trabalhadores, valorize a iniciativa privada e encoraje a criação de empregos de qualidade. Como se diz, “quando o cavalo selado passa, é hora de pular e aproveitar a chance”.
André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP; especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; cientista político pela Hillsdale College; doutor em Economia pela Princeton University; escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).
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