Opinião

As raízes milenares de 2 de junho de 1946

Dois mil anos depois, o povo italiano retomou a forma republicana que, como registrado nas páginas iniciais do livro de Annita Garibaldi – indicando como fonte A Joven Itália. ‘O Povo’, Jornal Ministerial da Republica Riograndense, Caçapava, 2 de maio de 1840 – “é para nós aquella fôrma do governo unica que pôde dar lugar ao desenvolvimento harmônico de todas as faculdades do homem”.

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Carlos Nina é advogado e jornalista

O dia 2 de junho é comemorado pelos italianos como o Dia da República. Na Itália e nas comunidades que seus imigrantes constituíram, espalhando-se pelo mundo. Contudo, as origens desse marco remontam ao ano 753 a.C. (FIELD, 2023), com a fundação de Roma, por Rômulo. Desde então, aquela magnífica península, encravada entre os mares Adriático, Tirreno e Jônico – que a separam das águas do Mediterrâneo – tem sido o espaço de fatos que repercutiram na história, na formação do universo social do Planeta, notadamente da parte conhecida como Ocidente.

Monumento a Anita, em Roma.

Eventos protagonizados por pessoas cujos nomes, pela riqueza das histórias individuais e repercussão de seus feitos e obras, foram inseridos na memória coletiva de populações diversas e nela eternizados, como Cesare Beccaria, Dante Alighieri, Filippo Brunelleschi, Giovanni di Pietro di Bernardoni (Francisco de Assis), Galileo Galilei, Giovanni Boccaccio, Leonardo da Vinci, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni, Marco Túlio Cícero, Nicolau Machiavel, Públio Virgílio Marão, Tomás de Aquino e tantos outros.

Ainda que historiadores assinalem que a Itália só passou a existir a partir de 1861, DUGGAN (2016), um deles, admite que havia – e há – os que acreditavam que antes desse marco já existia uma nação, que deveria tornar-se um Estado unitário, apesar da diversidade histórica e, sobretudo, da linguagem. Circunstâncias que apenas tornaram difícil – mas não impediram – a construção de um Estado que atendeu aos requisitos clássicos de sua configuração: povo, território e governo. E – por que não dizer? – do próprio Machiavel, anunciados no primeiro capítulo de sua obra mais conhecida, O Príncipe (1532): “Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados.”

Ainda no tema da busca da unidade, DUGGAN (2016) registra a convocação de “todos os italianos”, à época do papado de Gregório VII, final do século XI, como parte das tentativas de usar o termo Itália como mote para a mobilização, ora contra as pretensões dos imperadores alemães, ora dos franceses, no século XIII.

A história atribui a Giuseppe Garibaldi a missão de unificar a Itália, como diria Joaquim Suarez (GARIBALDI, 1931). Nascido francês, em Nice, Garibaldi foi personagem que marcou indelevelmente a relação entre o Brasil e a Itália, porque – além de sua atuação marcante na história da Itália – também participou das lutas de libertação em países da América, onde encontrou, no Brasil, a catarinense Ana Maria de Jesus Ribeiro, que, mercê do amor que a uniu a Garibaldi e de ter assumido as mesmas lutas de Giuseppe, quer no transporte de munições, quer no front de batalhas, ficou conhecida como Anita Garibaldi, merecendo – depois de exumações sucessivas – que seus restos mortais finalmente repousassem – com o reconhecimento dos italianos – em belo monumento na capital da Itália, Roma.

Giuseppe Garibaldi.

O dever de justiça, entretanto, impõe assinalar a importância de Giuseppe Mazzini na unificação da Itália, que, para tanto, “concebeu organizar no silêncio a Santa Aliança fraternal dos povos contra a Santa Aliança paternal dos reis, visando aquela a libertar, como esta visava a oprimir” (OLIVEIRA LIMA, 1962). Também de Camillo Paolo Filippo Giulio Benso, Conde de Cavour, Isolabella e Leri (DUGGAN, 2016; OLIVEIRA LIMA, 1962), cujas articulações tornaram polêmica sua contribuição no processo da unificação da Itália, reconhecidamente relevante e até referido seu nome como “idealizador da unificação italiana.” (FIELD, 2023).

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Mas foi Giuseppe Garibaldi quem veio para o Brasil lutar na Revolução Farroupilha. Decisão que o colocou no caminho daquela que viria a ser conhecida como Anita Garibaldi, a Heroína de Dois Mundos, tal como proclamado Giuseppe.  Sobre ela, a neta que lhe herdou o nome – Annita Garibaldi -, fala da avó, companheira e guerreira.

Annita, a neta do casal, escreveu em seu livro Garibaldi na América (transcrito preservando a redação original da autora):

E’ a mulher que conhece a espera extenuante, emquanto Garibaldi está no campo de batalha, quasi sempre exposto á morte, é a mulher do silencioso sacrificio de uma pobreza honrada, durante longos annos de assedio em Montevidéo; é a mulher que conhece o magnifico amor, assim como o martyrio de Italia, que a consagra heroína”

Anitta, a neta, também transcreveu mensagem de Joaquim Suarez. primeiro presidente do Uruguai, onde Giuseppe também lutara. Suarez destaca a importância de Garibaldi e o estimula a prosseguir na luta pela unidade nacional da Itália:

“Meu querido general e amigo; não seria consequente com meus sentimentos se guardasse silencio quando a Europa inteira prorompe em vivas ao heróe da liberdade italiana, e ser tanto mais notável este silencio da minha parte, desde que V. conhece bem o que lh’o hei distinguido, fazendo justiça verdadeira a seu patriotismo, interpidez e altura.

A causa que V. defende é a causa de todos os homens que têm pelejado, pela independencia da sua patria; é a causa que defendi pelo espaço de quarenta annos, sacrificando o meü repouso, a minha fortuna, e tudo o mais caro que tinha, e por tanto, não pode ser-me indifferente. Seus feitos gloriosos e heroicos, seus rasgos magnânimos, á frente da Legião Italiana, por mar e por terra em defeza das instituições e da independência da Republica Oriental do Uruguay, já me davam a medida do que é V. hoje em Italia, sua patria, e o que será amanhã.

Todas as nações têm a sua época de redempção, e a Italia está muito perto delia; e V., meu querido general, parece estar destinado pela mão de Deus para redimil-a. V. compreendeu com recommendavel altura a época de seu bello paiz; a unidade italiana e a liberdade. Soube ante esses dois grandes principios inclinar a sua fronte e emprestar seu braço, em que os seus irmãos não têm vacillado em apoiar-se.

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O resultado da empreza não pode ser duvidoso; a decisão da piovidencia, tão pouco. Uma santa causa triumpha sempre quando, como V., general, a sustentam homens de coração. General Garibaldi, adiante. O mundo já o contempla com admiração; a história lhe reserva formosas páginas. […]”

Ao comemorar a República Italiana que nasceu da escolha popular de 1946, é relevante reportar-se a Tarquínio, o Soberbo, em 509 a. C., “destronado por uma rebelião popular que instaurou uma república” (FIELD, 2023), que durou quinhentos anos.

Dois mil anos depois, o povo italiano retomou a forma republicana que, como registrado nas páginas iniciais do livro de Annita Garibaldi – indicando como fonte A Joven Itália. ‘O Povo’, Jornal Ministerial da Republica Riograndense, Caçapava, 2 de maio de 1840 – “é para nós aquella fôrma do governo unica que pôde dar lugar ao desenvolvimento harmônico de todas as faculdades do homem.”

Ao contrário, portanto, da interpretação daqueles que viam nas cidades Estado da Itália um óbice à sua unificação, a rivalidade estimulou a criatividade. FIELD (2023) destaca esse fenômeno: desenvolvimento artístico, disputa pela “proeminência do mecenato”. Isso fez da Itália o berço do Renascimento.

Ainda que não houvesse o casal Anita e Giuseppe para selar a relação Brasil/Itália, o Brasil, como parte do mundo ocidental, recebeu os efeitos da cultura romana, com intensidade no direito e na religião, assim como os benefícios do Renascimento, seus avanços extraordinários na arquitetura, nas artes, na literatura e num universo incalculável de absorção, acima de tudo da interação saudável e enriquecedora com o espírito alegre e solidário dos italianos que migraram para terras distantes da península de suas origens.

E este texto, afinal, flui no idioma que o poeta parnasiano Olavo Bilac imortalizou em belo soneto: A última flor do Lácio. Referia-se à região localizada no centro da península italiana, banhada pelo Mar Tirreno.

Comemorar com os italianos e seus descendentes, no mundo inteiro, a Festa da República Italiana, é muito mais do que um festejo, é um reconhecimento por tudo que os italianos fizeram pela humanidade.

Ademais, festejar a república é alimentar a esperança de vive-la, anseio de todos os cidadãos de bem. Algum dia haveremos de tê-la, também, de fato, para além da promessa constitucional. Entrementes, como anuncia Dante nos primeiros versos de sua Comédia, a divina, por acréscimo de Boccaccio:

“Da nossa vida, em meio da jornada

Achei-me numa selva tenebrosa

Tendo perdido a verdadeira estrada.”

Carlos Nina é advogado e jornalista

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ARTIGO

PEC 6X1: oportunidade para o debate franco acerca da legislação trabalhista

A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação. 

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André Naves é Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; Mestre em Economia Política.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6X1, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), tem como objetivo a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, mantendo os salários e reorganizando a carga semanal em até quatro dias. Essa proposta vem ao encontro de tendências globais, onde o debate sobre a jornada de trabalho e sua adaptação aos novos tempos — especialmente com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial — tem ganhado força.

A PEC 6×1, inspirada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), idealizado pelo vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), pode ser vista como um ponto de partida para uma análise mais profunda sobre o sistema trabalhista brasileiro e suas limitações, tanto para trabalhadores quanto para empregadores.

A questão da jornada de trabalho reduzida é sustentada por um contexto de aumento da produtividade, impulsionado pelas inovações tecnológicas. Essas inovações permitiram que, em alguns setores, menos horas de trabalho resultassem em níveis de produção iguais ou superiores aos modelos tradicionais. No entanto, a discussão sobre a redução da jornada de trabalho não se limita aos ganhos de produtividade. Ela também envolve uma série de outros fatores, como qualidade de vida, saúde mental, e até mesmo a busca por um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Em termos práticos, a PEC 6X1 procura responder à demanda por uma jornada de trabalho que promova o bem-estar dos trabalhadores sem sacrificar o desempenho econômico. Entretanto, há obstáculos no que diz respeito à aplicabilidade da medida no contexto brasileiro. O arcabouço jurídico trabalhista do país, com regulamentações amplas, visa proteger o trabalhador, mas frequentemente é apontado como um fator que engessa a iniciativa privada e dificulta a criação de empregos.

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A complexidade e os custos associados ao cumprimento das leis trabalhistas brasileiras muitas vezes desestimulam empresários, especialmente os pequenos e médios, de contratar formalmente. O excesso regulatório pode ser, em parte, responsável pela baixa produtividade e pela informalidade ainda presente no mercado de trabalho brasileiro.

Além disso, o Brasil já enfrenta desafios específicos em relação ao mercado de trabalho, como a escassez de mão de obra em algumas regiões e o aumento da informalidade. Há também uma pressão social crescente para ajustar programas de assistência, como o Bolsa Família, para que realmente sirvam como apoio temporário, incentivando a entrada no mercado de trabalho. Isso alinha-se à célebre frase do ex-presidente americano Ronald Reagan, para quem “o melhor programa social é o emprego”. Nesse sentido, um mercado de trabalho desburocratizado e uma política de assistência social orientada para a autonomia individual poderiam ser fundamentais para garantir uma economia mais forte e inclusiva.

A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.

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A PEC 6X1, assim, abre uma oportunidade rara para rever os princípios que sustentam o sistema trabalhista brasileiro e questionar se esse modelo atende às necessidades contemporâneas de um mundo em rápida mudança. Trata-se de uma chance para empreender uma reforma que, ao mesmo tempo que preserva a dignidade dos trabalhadores, valorize a iniciativa privada e encoraje a criação de empregos de qualidade. Como se diz, “quando o cavalo selado passa, é hora de pular e aproveitar a chance”.

André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP; especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; cientista político pela Hillsdale College; doutor em Economia pela Princeton University; escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).

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