Marinheiro Popeye era um sujeito de verdade e que não saia do bar
Quem não se lembra do fortão que fumava cachimbo e comia espinafre para criar músculos e salvar sua namorava Olivia Palito do folgado Brutus? Era o marinheiro Popeye, que marcou a infância de muitas gerações – pergunte aos seus avós se até eles não o conheceram. Como um ente da família tão querido e inesquecível, acabou entrando até mesmo para uma lista dos “50 grandes personagens dos desenhos animados de todos os tempos”. Conquistou a 20ª posição.
Lançado em 1929 pelo cartunista americano Elzie Crisler Segar em uma tirinha de jornal, fez tanto sucesso – e continua – que rendeu ainda desenho animado, livros infantis, inclusive citado por Monteiro Lobato, videogames, filmes (Robin Williams o interpretou em 1980 no live-action homônimo “Popeye”) e até uma websérie lançada no YouTube no final de 2018.
Popeye da vida real
A inspiração para esse ícone, como revelou seu criador anos mais tarde, foi o norte-americano Frank “Rocky” Fiegel, que era da mesma cidade que ele, Chester, em Illinois, nos Estados Unidos. Rocky nasceu em 1868 e não saia de um bar local chamado Wiebusch’s. Como não tinha um emprego fixo e vivia de bicos, frequentemente era visto por ali e em outros botecos da cidade, onde assumia serviços gerais.
Algumas versões dizem que ele era de fato um marinheiro aposentado, mas isso parece mais lenda. Essa associação pode ter sido criada porque existe uma foto famosa que circula na internet como sendo dele, mas que na verdade é de um marinheiro britânico dos anos 1940 e cujo apelido real era “Popeye”. Essa foto encontra-se nos arquivos do Museu da Guerra de Londres.
A imagem real de Rocky pode ser vista em um artigo antigo publicado no jornal “The Southern Illinoisan”. Na foto, ele aparece já velhinho e fumando um cachimbo com o canto da boca, igual ao Popeye. Porém, Segar o conheceu em boa forma, quando ostentava um queixo largo, era rápido em usar os punhos e divertia crianças que o assustavam propositalmente enquanto tirava uma soneca para vê-lo pular de sua cadeira, agitando os braços, pronto para uma luta.
Rocky também se gabava de ter vivenciado aventuras e ganhado brigas, o que contribuiu com a imaginação de Segar, que era um dos seus jovens ouvintes na época. Influenciado por suas narrativas e seu jeito machão e caricato, nos anos seguintes ele então deu um jeitinho de fazer dessas lembranças seu ganha-pão depois que virou desenhista e se mudou para Nova York.
Em boa companhia
Contratado pelo jornal “New York Journal American”, Segar criou uma tirinha em quadrinhos que lançou em 1919 e batizou de “Thimble Theatre” (Teatro em Miniatura, em português). A história inicial era focada na família Palito, da qual Olivia, a namorada de Popeye, fazia parte. O marinheiro só entrou nela para ficar de vez dez anos depois, mas no início era um coadjuvante.
Com o tempo, evoluiu de funcionário do irmão de Olivia ao namorado dela, o que fez ganhar espaço e popularidade entre os leitores, até que se consagrou como o astro principal. Com o sucesso de vendas do jornal atribuído a Popeye, a tira então foi renomeada com seu nome, que, aliás, advém de “pop-eye” e significa “olho estourado”, em português. Popeye surgiu caolho, mas nas versões seguintes acharam melhor manter seu olho defeituoso fechado.
As curiosidades não param por aí. Se Rocky inspirou a criação do marinheiro, Olivia Palito e Dudu, seu conhecido comedor de hambúrgueres, também foram baseados em pessoas que existiram de verdade. Segundo Segar, Olivia era a personificação de Dora Paskel, dona de um armazém em Chester e que era muita alta, magra e usava o cabelo em coque. Já Dudu seria William “Windy Bill” Schuchert, o primeiro empregador do desenhista e que adorava comer os hambúrgueres que eram vendidos no bar em que o “Popeye real” trabalhava.
Lembrados com carinho
Elzie Segar fez de suas raízes um legado que resistiu ao tempo e marcou milhões de pessoas, a começar pelas de sua antiga cidade. De acordo com o que contava seu antigo assistente Bud Sagendorf e mesmo o historiador Michael Brooks e empresários de Chester, o cartunista até o fim da vida enviava dinheiro para Rocky como forma de agradecê-lo. O jornal “The Southern Illinoisan” relata, porém, que Rocky só foi saber de sua contribuição na criação do Popeye já nos seus anos finais.
Se Segar o ajudou, também não foi por muito tempo. O desenhista morreu de leucemia em 1938, aos 43 anos e antes de ver Popeye se tornar um dos desenhos mais famosos e queridos da cultura pop mundial. Quanto a Rocky, morreu em 1947 perto de completar 80 anos. Em sua lápide foi esculpido o personagem e os dizeres: “Inspiração para o marinheiro Popeye”. Dora Paskel é outra que foi homenageada. No seu epitáfio consta ter sido a “Olívia Palito” real.
A cidadezinha de Chester, conhecida como “Lar do Popeye”, também se beneficiou e muito com o turismo e hoje dedica um parque memorial a Elzie Segar e mais de 15 estátuas a seus personagens. Fãs do mundo inteiro vão até lá para conhecer esses e outros pontos turísticos emblemáticos e curtir ainda o maior evento dobradinha da cidade, o desfile e piquenique “Popeye”, realizado anualmente no primeiro fim de semana após o Dia do Trabalho.
Fontes: Sites The Southern Illinoisan, CBC News, Associated Press, The New York Times; e livros “Popeye: An Illustrated Cultural History”, de Fred Grandinetti, “American Children’s Folklore”, de Simon J.Bronner; e “From Abba to Zoom: A Pop Culture Encyclopedia of the Late 20th Century”, de David Mansour.ENTRETENIMENTO
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