Opinião
O poder das mulheres nas empresas familiares
Embora muitos avanços tenham se verificado neste século quanto ao empoderamento feminino e combate à discriminação de gênero no ambiente empresarial, ainda há muito a caminhar na luta contra o preconceito e em favor da igualdade salarial e profissional. Perspectivas promissoras nesse sentido são apontadas no conteúdo “O poder das mulheres na empresa familiar: uma mudança geracional em propósito e influência”. Trata-se de um dos textos resultantes de pesquisa realizada conjuntamente pela KPMG e o Step Project – Successful Transgenerational Entrepreneurship Practices (STEP), na qual foram entrevistadas 1.800 lideranças de empresas familiares, em 33 países da Europa, Ásia Central, América do Norte, América Latina, Caribe, Ásia, Pacífico, Oriente Médio e África.
Um aspecto interessante da pesquisa é o fato de mostrar que as mulheres nas empresas familiares enfrentam os mesmos problemas verificados no contexto geral, e a maneira como vêm encaminhando soluções e mudanças pode ser um referencial para transformações mais amplas em organizações de todos os portes e setores. Atualmente, 18% das lideranças de empresas familiares no mundo todo são mulheres, sendo a maior parte na Europa e Ásia Central.
Ainda é grande o número de mulheres que desempenham um papel “invisível” nos negócios familiares, trabalhando nos bastidores em funções administrativas, como assessoras e moderadoras informais ou se concentrando exclusivamente na administração de suas famílias. Elas também, em muitos casos, seguem preteridas na sucessão do comando da empresa pelos irmãos, enfrentam desconfianças de clientes e do mercado quando ocupam posições tradicionalmente entendidas como “trabalho de homem” e muitas vezes precisam desistir do trabalho para conseguir atender os cuidados dos filhos.
Muitas das entrevistadas compartilharam que o preconceito inconsciente continua a existir sob a superfície da sociedade moderna. E como as pessoas não conseguem vê-lo, é muito importante falar sobre o assunto. Para vencer esse problema, a pesquisa demonstra que homens e mulheres podem contribuir para o combate aos estereótipos de gênero.
Uma recomendação é que as famílias preparem todos os seus membros, desde a infância, para desenvolverem uma carreira em suas empresas. Fica muito clara a necessidade de avanços culturais ainda mais acentuados na abordagem dessa questão. Uma delas, ao que parece, já está em curso: os líderes da próxima geração escolherão cada vez mais seus sucessores com base puramente em performance e potencial.
Outra boa notícia é que as gestoras de empresas familiares ouvidas na pesquisa estão quebrando muitas das barreiras e redefinindo o modo como são vistas. A maioria é respeitada pelos colaboradores, clientes e fornecedores, por sua experiência, conhecimento e habilidades. Elas são portadoras dos avanços que as mulheres buscam, com uma ressalva: as empresárias jovens ainda têm um pouco de dificuldade para aumentar sua credibilidade e legitimidade para assumir papéis de liderança .
Contudo, a julgar pelo desempenho das executivas, as mudanças positivas tendem a se consolidar: as empresas familiares dirigidas por CEO´s do sexo feminino geralmente têm uma abordagem distinta de transformação e menos autocracia para a liderança. Observou-se que as mulheres tendem a incentivar os indivíduos e as equipes a buscarem novos negócios, identificarem oportunidades de progressos e tomarem decisões por conta própria. Em tese, há menos conflito e mais diversidade, com reflexos diretos na performance da empresa.
Um fator que tem contribuído para a redução das desigualdades e a promoção do papel feminino nas empresas familiares verifica-se no campo legal e normativo. Ótimo exemplo nesse sentido encontra-se na Índia, onde a emenda à Lei de Sucessão, em 2005, conferiu direitos de propriedade às filhas, casadas ou solteiras, e lhes concedeu direitos iguais aos dos filhos. Mandato legal subsequente levou as empresas familiares na Índia a aumentarem o número de mulheres representadas em seus conselhos, em comparação com as empresas não familiares. Pelo meio legislativo, portanto, venceram-se fatores culturais milenares.
Mesmo em países nos quais a busca pela igualdade de direitos não enfrenta obstáculos religiosos e de costumes, a questão legal apresenta resultados positivos. Um caso emblemático é o da Noruega, pioneira na imposição de cota de gênero de 40% para mulheres nos conselhos de empresas de capital aberto, por meio de medida adotada em 2005. Desde então, mais nações da Europa, Ásia, América Latina, América do Norte, Oriente Médio e África recomendaram metas voluntárias para a presença feminina nos conselhos de administração das companhias.
O Brasil – onde as empresas familiares têm papel relevante na economia e onde há um arcabouço legal avançado de proteção à mulher e no tocante à igualdade de direitos entre todos os cidadãos, cláusula pétrea da Constituição – tem tudo para ser um dos protagonistas da igualdade de gênero e na promoção crescente das profissionais no mercado de trabalho e gestão das empresas. Tal meta implica o compromisso de todos na busca por uma sociedade melhor e um país mais desenvolvido.
Patrícia Molino é sócia-líder de cultura e gestão de mudanças da KPMG no Brasil e América do Sul e Carolina de Oliveira é sócia-diretora de private enterprise da KPMG
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ARTIGO
PEC 6X1: oportunidade para o debate franco acerca da legislação trabalhista
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6X1, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), tem como objetivo a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, mantendo os salários e reorganizando a carga semanal em até quatro dias. Essa proposta vem ao encontro de tendências globais, onde o debate sobre a jornada de trabalho e sua adaptação aos novos tempos — especialmente com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial — tem ganhado força.
A PEC 6×1, inspirada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), idealizado pelo vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), pode ser vista como um ponto de partida para uma análise mais profunda sobre o sistema trabalhista brasileiro e suas limitações, tanto para trabalhadores quanto para empregadores.
A questão da jornada de trabalho reduzida é sustentada por um contexto de aumento da produtividade, impulsionado pelas inovações tecnológicas. Essas inovações permitiram que, em alguns setores, menos horas de trabalho resultassem em níveis de produção iguais ou superiores aos modelos tradicionais. No entanto, a discussão sobre a redução da jornada de trabalho não se limita aos ganhos de produtividade. Ela também envolve uma série de outros fatores, como qualidade de vida, saúde mental, e até mesmo a busca por um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Em termos práticos, a PEC 6X1 procura responder à demanda por uma jornada de trabalho que promova o bem-estar dos trabalhadores sem sacrificar o desempenho econômico. Entretanto, há obstáculos no que diz respeito à aplicabilidade da medida no contexto brasileiro. O arcabouço jurídico trabalhista do país, com regulamentações amplas, visa proteger o trabalhador, mas frequentemente é apontado como um fator que engessa a iniciativa privada e dificulta a criação de empregos.
A complexidade e os custos associados ao cumprimento das leis trabalhistas brasileiras muitas vezes desestimulam empresários, especialmente os pequenos e médios, de contratar formalmente. O excesso regulatório pode ser, em parte, responsável pela baixa produtividade e pela informalidade ainda presente no mercado de trabalho brasileiro.
Além disso, o Brasil já enfrenta desafios específicos em relação ao mercado de trabalho, como a escassez de mão de obra em algumas regiões e o aumento da informalidade. Há também uma pressão social crescente para ajustar programas de assistência, como o Bolsa Família, para que realmente sirvam como apoio temporário, incentivando a entrada no mercado de trabalho. Isso alinha-se à célebre frase do ex-presidente americano Ronald Reagan, para quem “o melhor programa social é o emprego”. Nesse sentido, um mercado de trabalho desburocratizado e uma política de assistência social orientada para a autonomia individual poderiam ser fundamentais para garantir uma economia mais forte e inclusiva.
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A PEC 6X1, assim, abre uma oportunidade rara para rever os princípios que sustentam o sistema trabalhista brasileiro e questionar se esse modelo atende às necessidades contemporâneas de um mundo em rápida mudança. Trata-se de uma chance para empreender uma reforma que, ao mesmo tempo que preserva a dignidade dos trabalhadores, valorize a iniciativa privada e encoraje a criação de empregos de qualidade. Como se diz, “quando o cavalo selado passa, é hora de pular e aproveitar a chance”.
André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP; especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; cientista político pela Hillsdale College; doutor em Economia pela Princeton University; escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).
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