opinião
O Tio Sam não é mais aquele
Os Estados Unidos, nação que sempre pretendeu dominar o Mundo, está diferente. O que mudou na terra do Tio Sam?
Tudo na vida é cíclico. Até mesmo uma democracia estável, como a norte-americana, surpreende ao ser abalada como aconteceu nos últimos dias do Governo Trump. Ele próprio um exemplo das intempéries políticas que pode sofrer um país.
Interessante observar, no caso dos EUA, que por quase 50 anos, de Roosevelt a Reagan, o estilo de governo foi um Estado forte, corajoso, produtivo. Ora com um republicano, como “Ike” Eisenhower, ora com um democrata, como Lyndon Johnson, tudo estava equilibrado, dentro da mesma cartilha.
Nas últimas quatro décadas, entretanto, o que se viu foi um período tranquilo, sob um jeito modesto de ser. “Bill” Clinton comentou: “A era do governo grande terminou”. Agora, com “Joe” Biden no manche do airbus, tem início um processo de mudanças. E não é apenas o estilo de gestão. O novo presidente norte-americano não é um burocrata, como o russo Putin; nem um financista como o francês Macron; tampouco um fanfarrão como o norte-coreano Kim Jong-un.
Biden é do tipo menos “eu”, mais “vocês”. Ele não cria inimigos para legitimar políticas de Estado, opta por buscar parceiros e mudar a narrativa histórica dos que governaram antes dele. Não entra no discurso vazio da não globalização.
Distante do populismo crescente, longe do imaginário de que há uma conspiração de esquerda contra o Mundo, Biden é um equilibrado e discreto governante. O que não o impede de ser astuto político, conciliador que não deixa de exercer o poder com a ambição de realizar. Prova disso: com muito pouco tempo na Casa Branca – sem alaridos – já aprovou três pacotes envolvendo quatro trilhões de dólares.
Joe Biden completou os primeiros 100 dias de governo mudando o rumo de quase todas as políticas do seu antecessor, Donald Trump. Covid-19, meio ambiente, segurança, imigração, saúde, direitos humanos, relações internacionais. Biden iniciou seu mandato com 44% de aprovação do público norte-americano, segundo pesquisa da NBC News. A taxa cresceu para 50% agora em abril passado, considerando sua gestão como boa e ótima.
O presidente norte-americano já sinalizou que vai crescer tributos sobre as grandes corporações, para distribuir melhor a renda diminuindo desigualdades sociais. Sonhando grande para alcançar o mais perto possível, promete investir em modernas tecnologias. Menos bélico, mais empreendedor. Consegue de maneira muito especial agir em duas pontas distintas, ficando no centro e evitando polêmicas.
O que mudou nos EUA, está em quem é o seu principal competidor. Sai Rússia, entra China. Ao invés de guerra armamentista, agora a disputa é comercial. E isso, claro, sem abrir mão da imagem de defensor internacional da democracia. Novo tempo, nova visão desenvolvimentista respeitando direitos humanos e sustentabilidade.
Biden, além da crise econômica enfrenta também a sanitária. Promovendo virada histórica, acaba de anunciar apoio à suspensão das patentes de vacinas contra a Covid-19 para acelerar a produção de imunizantes em países em desenvolvimento. E, ainda por cima, reage à fragilidade democrática herdada do desastroso Governo Trump. Enfim, transformações em curso geram expectativa em todo o Planeta. Inclusive aqui no Brasil, histórico parceiro norte-americano nos princípios liberais e nos negócios. Só que, ultimamente, o Governo Bolsonaro – que segue fiel ao estilo Trump – anda interessado em obter recursos dos EUA para, supostamente, proteger a Amazônia. Biden abrirá o cofre?
Ricardo Viveiros é jornalista, professor e escritor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro honorário da Academia Paulista de Educação (APE) e autor, entre outros, dos livros “Justiça Seja Feita”, “A Vila que Descobriu o Brasil” e “Educação S/A”.
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ARTIGO
PEC 6X1: oportunidade para o debate franco acerca da legislação trabalhista
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6X1, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), tem como objetivo a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, mantendo os salários e reorganizando a carga semanal em até quatro dias. Essa proposta vem ao encontro de tendências globais, onde o debate sobre a jornada de trabalho e sua adaptação aos novos tempos — especialmente com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial — tem ganhado força.
A PEC 6×1, inspirada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), idealizado pelo vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), pode ser vista como um ponto de partida para uma análise mais profunda sobre o sistema trabalhista brasileiro e suas limitações, tanto para trabalhadores quanto para empregadores.
A questão da jornada de trabalho reduzida é sustentada por um contexto de aumento da produtividade, impulsionado pelas inovações tecnológicas. Essas inovações permitiram que, em alguns setores, menos horas de trabalho resultassem em níveis de produção iguais ou superiores aos modelos tradicionais. No entanto, a discussão sobre a redução da jornada de trabalho não se limita aos ganhos de produtividade. Ela também envolve uma série de outros fatores, como qualidade de vida, saúde mental, e até mesmo a busca por um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Em termos práticos, a PEC 6X1 procura responder à demanda por uma jornada de trabalho que promova o bem-estar dos trabalhadores sem sacrificar o desempenho econômico. Entretanto, há obstáculos no que diz respeito à aplicabilidade da medida no contexto brasileiro. O arcabouço jurídico trabalhista do país, com regulamentações amplas, visa proteger o trabalhador, mas frequentemente é apontado como um fator que engessa a iniciativa privada e dificulta a criação de empregos.
A complexidade e os custos associados ao cumprimento das leis trabalhistas brasileiras muitas vezes desestimulam empresários, especialmente os pequenos e médios, de contratar formalmente. O excesso regulatório pode ser, em parte, responsável pela baixa produtividade e pela informalidade ainda presente no mercado de trabalho brasileiro.
Além disso, o Brasil já enfrenta desafios específicos em relação ao mercado de trabalho, como a escassez de mão de obra em algumas regiões e o aumento da informalidade. Há também uma pressão social crescente para ajustar programas de assistência, como o Bolsa Família, para que realmente sirvam como apoio temporário, incentivando a entrada no mercado de trabalho. Isso alinha-se à célebre frase do ex-presidente americano Ronald Reagan, para quem “o melhor programa social é o emprego”. Nesse sentido, um mercado de trabalho desburocratizado e uma política de assistência social orientada para a autonomia individual poderiam ser fundamentais para garantir uma economia mais forte e inclusiva.
A baixa produtividade nacional está também associada a uma qualidade educacional deficiente, fator que dificulta a implementação de uma jornada reduzida sem impacto negativo na produção. O recente relatório da McKinsey sobre o futuro do trabalho destaca que, para competir em um mercado global, é necessário cultivar habilidades de criatividade, autoaprendizado e flexibilidade. O Brasil, com uma educação pública ainda deficiente, precisaria investir significativamente nesses aspectos para que seus trabalhadores pudessem se beneficiar plenamente de uma jornada reduzida e competir em uma economia mundial em transformação.
A PEC 6X1, assim, abre uma oportunidade rara para rever os princípios que sustentam o sistema trabalhista brasileiro e questionar se esse modelo atende às necessidades contemporâneas de um mundo em rápida mudança. Trata-se de uma chance para empreender uma reforma que, ao mesmo tempo que preserva a dignidade dos trabalhadores, valorize a iniciativa privada e encoraje a criação de empregos de qualidade. Como se diz, “quando o cavalo selado passa, é hora de pular e aproveitar a chance”.
André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP; especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; cientista político pela Hillsdale College; doutor em Economia pela Princeton University; escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).
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