Depois de ficar totalmente inundada, Eldorado do Sul tenta se reerguer

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“Além de perder tudo o que tinha, a gente perdeu a nossa cidade”. É assim que a autônoma Andressa Pires, de 31 anos, mãe solo de três filhos, moradora de Eldorado do Sul, resume o impacto das enchentes do início de maio, que literalmente devastaram o município. Localizada às margens do Rio Guaíba e perto da foz do Rio Jacuí, na região metropolitana de Porto Alegre, a cidade registrou a maior inundação de sua história.

Não é mesmo exagero dizer que Eldorado do Sul foi completamente destruída. A reportagem da Agência Brasil percorreu as principais ruas da cidade, na manhã ensolarada da última quarta-feira (22), e constatou um cenário pós-apocalíptico, como se um furacão tivesse varrido tudo que viu pela frente. Pelas ruas, amontoados de entulho, lama, sujeira, carros destruídos, vidros estourados. Objetos pessoais, brinquedos, medicamentos, roupas e todo tipo de produto espalhados pelas vias ou grudados em cercas e muros. Os números oficiais dão uma dimensão mais precisa do que se passou ali.

Da população total de 39.556 habitantes de Eldorado do Sul, cerca de 32 mil tiveram que sair às pressas, como numa guerra, e 100% da área urbana da cidade foi atingida pela água, sem exceção, além de boa parte da área rural. Acostumado a enchentes, pela sua topografia plana, o município já tinha um plano de contingência para essas situações, que incluía o uso de ginásios previamente indicados para abrigar os moradores.

“Mas a inundação foi tão grande dessa vez que os ginásios preparados para abrigos também foram alagados”, conta o secretário de Planejamento do município, Josimar Cardoso. Segundo as estimativas da prefeitura, 20 mil residências foram atingidas, e muitas delas ficaram totalmente comprometidas.

A difícil limpeza

Ao longo dos últimos dias, especialmente após a trégua nas chuvas, os moradores e o poder público iniciaram mutirões de limpeza. “As pessoas estão precisando de três, quatro dias, até uma semana para poder limpar suas casas e lojas. Eles ficam nesse trânsito entre os abrigos, que são nas cidades vizinhas, nesse vai e vem, mas algumas já estão ficando em casa de forma definitiva. Nós estimamos [que] em torno de 8 mil pessoas [tenham] retornado para as suas casas, número que deve chegar a 20 mil até o fim de semana”, prevê o secretário, que é um dos coordenadores do gabinete de crise montado pela administração municipal para lidar com reflexos da catástrofe climática.

Morador da região desde os anos 1970, quando Eldorado ainda nem tinha se tornado um município, e era um distrito da vizinha Guaíba (a emancipação ocorreu em 1988), Vanderlei Correia de Oliveira, de 56 anos, não tinha visto uma enchente tão grande. Mas a catástrofe já se prenunciava no ano passado, quando três inundações ocorreram, sendo que a de novembro assustou um pouco mais.

“O ano passado [novembro], que deu a primeira, que nunca tinha chegado a água aqui, chegou na canela, na cozinha de casa. Aí foi anunciado pelo governador que essa seria três vezes mais, muito severa. Calculei que seria água na cintura, mas faltou dois palmos para atingir o forro da casa”, compara Vanderlei, que está há 20 dias em um abrigo na cidade de Guaíba e tem vindo diariamente limpar a residência da família, que dessa vez não resistiu.

“A casa está comprometida, vamos ter que desmanchar a casa da frente, de madeira, e tentar fazer uma nova, mas só com a ajuda do governo federal, do governo do estado pra fazer.”

Eldorado do Sul (RS), 22/05/2024 – CHUVAS-RS - DESTRUIÇÃO - Conforme as águas vão baixando, moradores de Eldorado do Sul tendo contato com os estragos causados pelas enchentes. - Andressa Pires, que mora com toda sua família em Eldorado do Sul, começa a limpeza da casa devastada pela enchente. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil Eldorado do Sul (RS), 22/05/2024 – CHUVAS-RS - DESTRUIÇÃO - Conforme as águas vão baixando, moradores de Eldorado do Sul tendo contato com os estragos causados pelas enchentes. - Andressa Pires, que mora com toda sua família em Eldorado do Sul, começa a limpeza da casa devastada pela enchente. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Andressa Pires enfrenta desafio de limpar casa destruída pela enchente em Eldorado do Sul – Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

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A moradora Andressa Pires conta que está limpando a casa desde o último domingo. No terreno da família, são quatro imóveis, onde vive com os filhos, os pais, os irmãos, a cunhada e a sobrinha. “A gente limpa, parece que nada anda. Está bem difícil, muito barro”, conta, enquanto segura um dos seus ursos de pelúcia, estropiado pela lama. Como a cidade toda foi atingida, fica difícil até para se alimentar ou contar com a cidade durante a limpeza. “O mercado não está aberto, a farmácia próxima foi saqueada, todo o comércio segue fechado.”

Outra preocupação é a situação econômica. “Sou autônoma, trabalho como bartender e auxiliar de cozinha. Também fui afetada no meu trabalho, não tem evento, não tem casa, não tem nada.”

Dias de terror

Cunhada de Andressa, Jackeline Viena e Silva também dava duro na limpeza na manhã de quarta na casa do mesmo terreno da família. Ela conta que acordou por volta das 4h, no dia 3 de maio, porque despertou ao deixar o braço cair da cama e afundar na água. Foram resgatados por socorristas que já atuavam em uma Eldorado alagada e se refugiaram no andar superior de uma academia de musculação próxima, com o marido e a filha adolescente.

“Passamos quatro dias lá, ficamos protegidos. Eu não quis sair de lá porque tinha medo, a correnteza era muito forte. Meu marido se arriscou algumas vezes nadando para buscar comida na casa de vizinhos”, relata Jackeline.

Quando as águas baixaram mais, eles conseguiram se abrigar na zona rural de Guaíba, onde ainda permanecem. Já Andressa, os três filhos, os pais e os irmãos estão na casa de familiares em Charqueadas, outra cidade vizinha.

A poucos metros da casa de Andressa, a empresária Fernanda Tedy limpava a loja de móveis planejados, que mantinha havia sete anos. “A gente perdeu tudo aqui na loja, não sobrou nada, nem documentos. Os móveis, absolutamente tudo virou uma montanha de lixo. E aí vem aquele questionamento se a gente continua, se paga para ver ou se desiste, né? Inicialmente, a ideia era desistir, mas, como a gente tem uma sala aqui no segundo piso, a gente vai ter que entregar a loja do térreo e ficar só com uma salinha ali para recomeçar”, diz. Quando saiu da cidade às pressas, ela também lembra a forte correnteza. “A gente só conseguia andar, com a água no joelho, segurando uns nos outros até chegar à rodovia e pegar o carro.”

Futuro das crianças

Na Escola Municipal de Ensino Infantil (Emei) Arco-Íris, no centro de Eldorado do Sul, a equipe liderada pela diretora Neila Silveira se empenhava no duro trabalho de limpeza. Eram 270 crianças matriculadas, de até 5 anos.

“Aqui foi 100% foi perdido, a gente não tem nada que tenha salvado. A maioria das famílias está espalhada por municípios como Guaíba, Viamão, Gravataí, entre outros. Um dia por vez, tu faz um dia hoje e não adianta pensar amanhã. Senão, não vai”, diz a diretora.

Do lado da creche municipal, a Escola de Ensino Fundamental Nossa Senhora Medianeira, uma unidade também da prefeitura, é outra completamente devastada e em processo de limpeza por funcionários. A diretora da unidade, Andrea Andreotti, conta que a escola tinha mais de 500 alunos.

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“É uma escola disputada pela comunidade, todo mundo achava que era uma escola de nível privado, pelo tanto de cuidado que a gente tinha. Era uma escola muito procurada, mas seguiremos sendo, estamos trabalhando para esse recomeço”, conta, com a voz embargada. O único temor da professora, que atuou nos regastes de dezenas de famílias de Eldorado, é que as pessoas desistam da vida ali, apesar de compreender. “As pessoas já estão pedindo transferência, estão indo para outras cidades, para o litoral, meio que em definitivo. Elas perderam tudo, né?”.

Eldorado do Sul (RS), 22/05/2024 – CHUVAS-RS - DESTRUIÇÃO - Conforme as águas vão baixando, moradores de Eldorado do Sul tendo contato com os estragos causados pelas enchentes. - Estragos causados pela enchente em escola municipal do centro de Eldorado do Sul. - Andrea Andreotti, diretora da escola. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil Eldorado do Sul (RS), 22/05/2024 – CHUVAS-RS - DESTRUIÇÃO - Conforme as águas vão baixando, moradores de Eldorado do Sul tendo contato com os estragos causados pelas enchentes. - Estragos causados pela enchente em escola municipal do centro de Eldorado do Sul. - Andrea Andreotti, diretora da escola. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Diretora de escola, Andrea Andreotti mostra o que sobrou no interior da unidade de ensino – Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

 

Como se proteger

Para que o futuro de uma cidade alagável como Eldorado esteja garantido, algumas intervenções serão cruciais. O projeto de construção de um dique de proteção existe desde 2012, mas ainda não saiu do papel. Questionado pela reportagem após uma reunião com prefeitos, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, falou sobre o estágio atual do projeto, que ainda não tem data para ser construído.

“Essa obra está em curso, na verdade, o planejamento está acontecendo. Ela passou por elaboração de estudos ambientais, anteprojeto e agora se encaminha para a contratação de projeto executivo e execução da obra, o que naturalmente agora vai encerrar também uma revisão desse projeto na medida em que o volume de águas com que nos deparamos foi maior do que a pior situação já enfrentada pelo estado no passado. Mas é uma obra que deve ser viabilizada e que vai estar como prioridade nas nossas ações de reconstrução aí pela frente”, afirmou Leite, que também se comprometeu com obras de dragagem de rios e construção de outros sistemas de proteção.

“Nosso único plano [para] que essa cidade não seja destruída novamente é termos esse dique de contenção”, afirma o secretário municipal de Planejamento, Josimar Cardoso.

“Se vier uma enchente à metade do que veio agora, já causa estragos demais. Se não fizer um dique, desassorear o Guaíba, alargar a entrada da Laguna dos Patos, que precisa, no meu entendimento, aí fica muito perigoso”, afirma Vanderlei Cardoso, que também precisará reconstruir sua casa em Eldorado do Sul.

Fonte: EBC GERAL

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Rosa Magalhães foi velada e homenageada por amigos e escolas de samba

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Representantes de escolas de samba, intelectuais, personalidades, admiradores e, principalmente, amigos de Rosa Magalhães estavam juntos para se despedir daquela que é tida como a maior carnavalesca do Rio de Janeiro. Cada um lembrava da convivência com ela com muito carinho. As escolas de samba prestaram homenagens, deixando sobre Rosa, cada uma, uma bandeira da agremiação.

“Ela buscava que a vida dela fosse uma vida divertida. Mesmo no carnaval, ela não gostava de temas tristes. Ela gostava sempre de uma coisa engraçada. E eu acho que ela buscava isso tudo na vida, sempre estar se divertindo. Sempre buscando uma coisa leve, colorida”, diz o carnavalesco da escola de samba São Clemente, Mauro Leite, que por décadas foi assistentes de Rosa e amigo.

Rosa sempre cuidou e se preocupou com os amigos. Leite conta que conversou com ela nesta quinta-feira (25). Ela ligou apenas para perguntar como tinha sido a reunião que ele teve com o presidente da São Clemente.

“Ela me ligou e perguntou: E aí, como é que foi a conversa? Eu falei: Ah, foi tudo bem. Aí ela falou assim: Era isso que eu queria saber. Foi a última coisa que ela me disse”, conta Leite. Ele lembra da amiga com muito carinho. Eles estavam trabalhando em um projeto juntos. Esta semana ele foi várias vezes à casa dela.

Ele conta também que Rosa não vinha se sentindo bem e que não gostava muito de médicos. Morreu no Rio de Janeiro, na noite dessa quinta-feira (25), aos 77 anos. O velório foi aberto ao público no Palácio da Cidade, sede da prefeitura do Rio, na tarde desta sexta-feira (26). O corpo foi sepultado no cemitério São João Batista.

Homenagens

Rio de Janeiro (RJ), 26/07/2024 - Velório da carnavalesca Rosa Magalhães, no  Palácio da Cidade, sede da prefeitura do Rio, em Botafogo. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil Rio de Janeiro (RJ), 26/07/2024 - Velório da carnavalesca Rosa Magalhães, no  Palácio da Cidade, sede da prefeitura do Rio, em Botafogo. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Rio de Janeiro (RJ), 26/07/2024 – Velório da carnavalesca Rosa Magalhães, no Palácio da Cidade – Tânia Rêgo/Agência Brasil

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Rosa tinha mais de 50 anos dedicado à arte. O título de 1982 com o Império Serrano fez o enredo Bum Bum Paticumbum Prugurundum figurar entre um dos mais famosos do carnaval carioca.

Na Imperatriz Leopoldinense, a amante do carnaval conseguiu fazer a escola atingir a supremacia por anos seguidos. Conquistou o bicampeonato de 1994 e 1995 e o tricampeonato de 1999, 2000 e 2001. O último campeonato conquistado pela carnavalesca foi em 2013, comandando o carnaval da Unidos de Vila Isabel. Ela nunca parou de trabalhar, seja na avenida ou em outros projetos. O último desfile da carreira foi em 2023, na Paraíso do Tuiuti.

“Ela é a referência. Acho que, para mim, a Rosa é a régua. Ela é a régua com a justa medida do que é ser bom na contação de história, na produção de fantasia, na farra carnavalesca que pode alegrar, que pode ensinar, que pode denunciar”, diz o carnavalesco da Imperatriz Leopoldinense, Leandro Vieira. “A Rosa é o gabarito, é o gabarito da história da Imperatriz vitoriosa. E acho que é por isso que a gente fica… está todo mundo aqui meio que embargado, assim, com a voz, porque a gente perdeu um pouco o gabarito”, emociona-se.

Para o jornalista e escritor Fábio Fabato, que era amigo da carnavalesca,  Rosa foi “simplesmente a melhor, porque ela foi aquela pessoa que pensou causos que os livros didáticos não contam. Ela foi descobrir histórias que nos entregaram um sentido identitário de Brasil. Então, assim, se a gente pode definir quem foi a Rosa Magalhães, uma descobridora dos Brasis que às vezes não nos contam”.

Fabato enfatiza que não apenas uma carnavalesca, era uma artista brasileira, comparável a grandes artistas com Tarsila do Amaral.

“Vai deixar muita saudade. Uma artista grandiosa. Não é apenas uma carnavalesca, uma cenógrafa. Uma artista brasileira, a meu ver, no patamar de uma Tarsila, de um Portinari, exatamente porque foi a maior, na maior festa popular”.

O carnavalesco da Beija-flor, João Vitor Araújo, que assinou com Rosa o desfile da Paraíso do Tuiuti, o último da carreira dela, disse que a última vez que falou com ela foi justamente no dia do amigo, dia 20 de julho, quando marcaram, como sempre faziam, de tomar um café, no sábado (27).

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“Eu levei quase 40 anos para conhecer Rosa Magalhães e trabalhamos juntos e convivemos. Depois disso, foi como se estivéssemos juntos há 40 anos. De tão intenso e tão forte que foi nossa amizade. Hoje eu estou devastado, a cultura está devastada, o Brasil perde a maior artista popular de todos os tempos. Eu tenho certeza que a Rosa Magalhães foi a maior artista popular de todos os tempos”, diz.  

Autoridades

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou homenagens a Rosa Magalhães, em publicação no X. “Maior campeã do Sambódromo, Rosa Magalhães contou histórias do Brasil de forma genuinamente nossa, no Carnaval do Rio de Janeiro, patrimônio da nossa cultura. Deixa um legado de arte, beleza e muitas lições a que marcaram e fizeram história nas escolas de samba. Meus sentimentos aos familiares, amigos e admiradores desta artista única”. 

O governador do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, divulgou uma nota de pesar na qual diz que o mundo do samba “perdeu uma das maiores personalidades do Carnaval carioca”. O governador relembra os títulos conquistados e a dedicação ao carnaval e afirma que Rosa Magalhães é e sempre será “referência para todos os amantes do samba, com seus enredos marcados por suntuosidade, cores e muita alegria. Manifesto meus sentimentos aos familiares, amigos e a todos os companheiros de carnaval. O Rio sempre será grato por todas as histórias contadas”.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, também publicou homenagem no X: “Perdemos uma das mentes mais brilhantes da nossa maior manifestação cultural. A história de Rosa Magalhães se confunde com a do próprio carnaval. De um jeito único, ela encantou a todos nós com sua capacidade de materializar sonhos na avenida, de contar histórias de um jeito único e emocionar quem assistia”.

Fonte: EBC GERAL

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