Ética em crise
“Os fins justificam os meios” – essa afirmativa, presente em ações perpetradas pelo homem ao longo do processo dito civilizatório da humanidade, sempre se pautou pela incessante busca de resultados favoráveis a sua vida e parte de uma premissa na qual se sustenta nossa sociedade. O motor do consumismo desenfreado em nosso meio provoca-nos a necessidade do “ter” em detrimento do “ser”, contrariando elementares padrões de justiça.
Aristóteles, notável filósofo grego, em sua obra Ética a Nicômaco, se mantém atual, ao afirmar que os homens são injustos, na medida em que enganam seus semelhantes e entregam-se a uma vida sem regras e sem virtudes. Ora, se olharmos para nosso íntimo perceberemos que estamos nos enganando ao praticar atos que por vezes nos afligem, nublam nossa consciência e promovem a infelicidade alheia. A busca pelo bel prazer não pode passar necessariamente pela desgraça de seu próximo. A sociedade contemporânea, corrompida e doente, vivencia de forma estática uma inversão de valores: o que hoje é certo, ontem era errado e vice versa. Na medida em que estar em alta significa posição de poder, o indivíduo relega a segundo plano princípios éticos caros a construção de seu caráter, adotando posturas inimagináveis em um tempo não tão remoto. Mentir, roubar, corromper, trair, são os verbos da vez. Torna-se cada vez mais imperativo adotá-los em nosso cotidiano como regra, em busca de uma ascensão social que não nos levará a lugar algum. E essa postura condenável, invariavelmente aceita, se reflete em todos os setores, desde os mais abastados até os menos favorecidos.
A ética é um pressuposto básico para a formação do homem, tanto profissional como moral. Na nossa sociedade civil, valores sagrados como a honestidade, franqueza e sinceridade são escamoteados, faz-se necessário resgatar princípios éticos e valores morais e inseri-los em nossa conduta pessoal. A consciência moral do homem, a capacidade de julgar suas próprias ações, sejam elas boas ou más, uma característica peculiar de sua personalidade, é um fator preponderante para nortear sua estória de vida, trazendo-lhe com isso a possibilidade de construir um caminho de justiça e liberdade. A liberdade e a consciência se entrelaçam, pois nos facultam o direito de julgar moralmente nossos atos e decidir entre o bem e o mal.
A prática do “Toma lá, dá cá” ou a máxima Franciscana do “É dando que se recebe”, adotada pelos nossos representantes, há muito vem contaminando nossa frágil democracia. O corporativismo presente em nossas instituições parlamentares, protegendo uma classe que se autoproclama imune às leis, estimula a impunidade e perpetua uma prática corrupta em todo nosso cotidiano. Parece a edição de um filme antigo que se repete a cada semana, e assim a letargia vai tomando conta de nosso imaginário. A pergunta que não se cala é: “Ate quando?” E assim vamos dia-a-dia, aos trancos e barrancos nos arrastando, todos sem exceção, nesse lamaçal de mediocridade e em que se transformou nossa Pátria Brasilis; enlameada de corrupção e falta de valores indispensáveis a uma vida digna, herança mínima a deixar como legado a gerações vindouras.
Faz-se mister uma nova mentalidade, tanto na sociedade civil como nos governos, um novo caminho para mudarmos esse quadro segue obrigatoriamente pela formação cultural e educacional do individuo, desde o berço, na mais tenra idade aliada a uma base familiar sólida e comprometida com o bem comum. Estes são os ingredientes básicos que permeiam a busca pela equidade. Promover dentro de si, valores éticos e de grandeza moral seria também o receituário mais eficaz para se corrigir injustiças e trazer a tão sonhada paz ao nosso já combalido tecido social. As gerações futuras agradecem essa reflexão!
“Quando você olha pra dentro, você sonha. Quando você olha pra fora, você acorda” Carl Jung
João Correia é artista plástico e bacharel em Direito
ARTIGO
A absolvição política de Lula e a anistia aos baderneiros do 8 de Janeiro
Estou, pois, convencido de que foi uma decisão política para resgatar a figura do presidente Lula, numa tentativa de pacificação nacional e na esperança de que esquerda e direita pudessem ter um caminho comum.
Tenho esperança de que possamos começar a pacificação nacional através do Supremo Tribunal Federal, fazendo uma revisão das condenações dos envolvidos nas badernas do dia 8 de janeiro.
Digo isso por conta da decisão política que absolveu o presidente Lula, em razão da mudança de foro de competência. Afinal, ao recomeçar todo o processo em outra instância, a prescrição atingiu todos os processos vinculados àquela condenação.
Ora, foro incompetente é matéria processual. No início do curso de Direito, nas disciplinas de processo civil e processo penal, aprendemos que a primeira coisa a se verificar, ao ingressarmos com uma ação, é se o juiz é competente ou não para julgar aquele caso.
O que vale dizer que um aluno de segundo ano de faculdade de Direito, de qualquer uma das mais de 1.700 que existem no Brasil, que não soubesse avaliar se um juiz tem competência para examinar o caso, seria reprovado imediatamente. Mas o que ocorreu? Teoricamente, tivemos um juiz, três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça e onze ministros do Supremo Tribunal Federal que entenderam que o juiz Sergio Moro tinha competência de foro para julgar aquele processo. Só algum tempo depois, estranhamente, se descobriu que havia uma incompetência territorial para aquele julgamento.
Será que profissionais tão habilitados para serem Ministros, poderiam cometer um erro tão elementar? Não! Todos eles são grandes juristas; eu os conheço e tenho livros escritos com a maior parte deles.
Seria desídia não ter examinado um processo dessa relevância com o devido cuidado? Também não! Todos eles têm legiões de assessores.
Estou, pois, convencido de que foi uma decisão política para resgatar a figura do presidente Lula, numa tentativa de pacificação nacional e na esperança de que esquerda e direita pudessem ter um caminho comum.
Assim, o presidente Lula foi resgatado por uma decisão eminentemente política, porque eu não posso, até em homenagem à cultura e à inteligência de todos eles, acreditar que cometeriam um erro tão elementar, e nenhum deles tenha se apercebido tempestivamente da incompetência do juiz Sergio Moro para o referido processo.
Por tudo isso, gostaria de sugerir agora outra tentativa de pacificação nacional, ou seja, a revisão de todos os processos referentes a 8 de janeiro.
Em recente entrevista, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim disse claramente que os fatos ocorridos em 8 de janeiro não configuram um golpe de Estado. – Quando é que gente desarmada pode dar um golpe de Estado? -, indagou Jobim. Nenhuma delas, sem passagem pela polícia, poderia atentar contra o Estado Democrático. Por que condená-las a 17 anos de prisão?
O que fizeram contra os baderneiros do PT e do MST, que destruíram as dependências do Congresso Nacional na época do presidente Michel Temer? Este imediatamente considerou que não valeria a pena tomar nenhuma atitude mais drástica.
Em uma palestra que proferiu na Academia Paulista de Letras Jurídicas, ele disse ter se inspirado no ex-presidente Juscelino Kubitschek, que anistiou os revoltosos de Aragarças e Jacareacanga e os perdoou.
Tenho a impressão de que seria um gesto de monumental grandeza do Supremo, da mesma forma que fez a revisão por causa daquele que seria um erro fulcral imperdoável, fundamental, elementar, que não poderia ser praticado por qualquer aluno de qualquer faculdade de Direito, de não saber se um juiz seria ou não competente.
Essa mesma decisão, que foi, portanto, de natureza política, poderia iniciar uma pacificação, se o Supremo revisasse os processos dos baderneiros de 8 de janeiro, já que, como disse o ministro Nelson Jobim, que foi presidente do Supremo, deputado federal e Constituinte, jamais poderiam ter dado um golpe de Estado, porque não tinham armas.
Talvez pudéssemos começar por aí um grande processo de pacificação para tentar reduzir essa radicalização que não faz bem à nação e passássemos a discutir ideias, e não atacar pessoas.
Ives Gandra da Silva Martins é professor e advogado
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