Opinião

O roteiro padrão do empreendedorismo brasileiro

Uso o paralelo culinário com uma licença para ilustrar hoje o ecossistema de startups brasileiro: na última década do empreendedorismo, moldamos uma cultura de roteiros fixos, e uma visão única do que é sucesso. Desde o momento de ideação das empresas, os empreendedores se deparam com múltiplos mandamentos – as regras que os ajudarão a crescer o negócio, conquistar investimentos e criar um unicórnio.

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Camila Nasser é cofundadora e CEO do Kria

Imagine que você decidiu se aventurar na cozinha para fazer aquele pudim de leite bem gostoso. Pede indicação de receitas para a melhor confeiteira que você conhece, que passa uma receita fantástica…para um bolo de chocolate. Não precisa ser conhecedor para saber que seguir a receita do bolo de chocolate não te levará ao pudim.

Uso o paralelo culinário com uma licença para ilustrar hoje o ecossistema de startups brasileiro: na última década do empreendedorismo, moldamos uma cultura de roteiros fixos, e uma visão única do que é sucesso. Desde o momento de ideação das empresas, os empreendedores se deparam com múltiplos mandamentos – as regras que os ajudarão a crescer o negócio, conquistar investimentos e criar um unicórnio.

Mas ignorar as aspirações individuais de cada negócio em prol da Cartilha-mágica é prejudicial para a diversidade dos negócios (ou, voltando ao bolo, não adianta seguir a receita do bolo de chocolate se você quer comer pudim!).

Desmistificando a regra nº 1: o tal Sanduíche das Ilhas Cayman

Uma parcela considerável das empresas brasileiras, com operações no Brasil, estão sendo constituídas no exterior em uma estrutura jurídica conhecida como “Sanduíche de Cayman”: com uma Holding em Cayman, uma LLC em Delaware e uma empresa operacional no Brasil:

Queridinha de muitos fundos de Venture Capital, a estrutura do Sanduíche de Cayman é recomendada por facilitar ao empreendedor a captação de recursos externos, além de simplificar a questão tributária (ainda que, com a recente MP de tributação de receitas do exterior, a eficiência tributária fique em cheque).

Antes de seguir a manada do famoso Sanduba, é importante o empreendedor brasileiro ter em mente:

1. Qual o perfil de seu investidor?

Além de fundos estrangeiros que alocam capital na América Latina, alguns dos fundos brasileiros, com operação in loco, estruturam fundos no exterior também. O empreendedor deve analisar se deseja captar recursos, e qual o perfil de investidor que deseja em seu captable. Temos muitos fundos, micro VCs e grupos de investidores com atuação local, que não demandam a complexidade de estruturar societariamente a empresa offshore.

2. Qual a tese de saída do negócio?

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Já escrevi anteriormente sobre um comparativo entre Estados Unidos e Brasil. Um dos principais diferenciais está na grandeza do mercado de capitais. Enquanto nos EUA, 43% das empresas listadas na Bolsa são VC-backed, no Brasil são menos de 2%. O nosso principal contexto de saída dos negócios, portanto, é o M&A – que, de acordo com levantamento da ACE, teve um CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 49.5% de 2016 a 2021.

A maior parte dos M&A de startups brasileiras hoje ocorre por incumbentes. Se o empreendedor identifica que as principais sinergias para uma futura aquisição se dariam com empresas brasileiras, uma estrutura offshore hoje acaba se tornando apenas uma complexidade a mais no exit, com horas e recursos jurídicos investidos em trazer a estrutura de volta ao Brasil.

Desmistificando a regra nº 2: a captação via um fundo de Venture Capital top tier

Muitos empreendedores sonham em receber aportes dos fundos de Venture Capital mais famosos. Com certeza ser investido por um investidor top tier representa uma chancela do negócio, e abre importantes portas. Estes investidores, em sua maioria, conquistaram suas posições privilegiadas no mercado e têm muito a oferecer aos negócios – e seus fundadores – para além do capital.

Mas é um erro adaptar os princípios de seu negócio, ou a sua visão do que é sucesso, para atrair o capital de ‘fulano’. O exercício deve ser contrário: onde quero chegar, qual a demanda de capital (se há) e o perfil ideal de investidor para chegar lá. O caminho do VC tradicional é ideal para negócios que demandam crescimento acelerado (o famoso “move fast and break things”): a lógica do crescimento de 30% ao mês, com vista na próxima rodada de captação, sem muita preocupação com a queima de caixa ou sustentabilidade do modelo a longo prazo.

Há muitos negócios saudáveis e bem estabelecidos que cresceram a um ritmo menos acelerado, enquanto temos notícias de negócios que falharam depois de mostrar um crescimento astronômico. Não deve ser a taxa de crescimento a única e, nem sempre, a principal métrica a medir o sucesso de uma empresa qualquer, e isso também é verdade para as startups e outras empresas na trilha do venture capital.

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Desmistificando a regra nº 3: o significado de sucesso

Falta diversidade no entendimento do que é sucesso no ambiente de startups. Recentemente completamos uma década da era-unicórnio: quando a Cowboy Ventures cunhou o termo de unicórnio, em 2013, eram 39 empresas coroadas pelo chifre místico. Hoje são 532. Se perguntarmos para uma criança o que ele quer ser quando crescer, é Youtuber (antigamente, astronauta). Se perguntamos para um empreendedor, a resposta será unicórnio?

A ideia de que unicórnio é sinal de sucesso tem duas grandes fragilidades: a primeira é que qualquer negócio tem um objetivo social, e que transcende o valor atribuído a ele, e diz respeito à interação entre a empresa (seu produto, serviço) com a sociedade. O sucesso do negócio deveria ser vinculado a esse objetivo. A segunda fragilidade está no modelo dos unicórnios em si: de acordo com a análise recente da Cowboy Ventures, 93% são unicórnios no papel, sem uma liquidez que valide o valor de mercado. Aparentemente, 40% dos unicórnios estão negociando em secundárias a valor inferior a U$1 bilhão – então a própria premissa do termo não se sustenta.

É essencial a todo empreendedor encarar algumas das regras colocadas por parte do mercado de venture capital como o padrão-ouro das startups, e adequá-las a seu contexto. Existem múltiplos caminhos de empreendedorismo tão válidos quanto a estrada amarela rumo ao unicórnio, mas que não dependem – e por vezes nem se beneficiam – dos mesmos ladrilhos.

Camila Nasser é cofundadora e CEO do Kria

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ARTIGO

Desenvolvimento integral produto da solidariedade ambiental

Tudo conflui com o ideário proposto por São Paulo VI: o desenvolvimento para ser autêntico deve ser integral e promover a figura humana como um todo, posto que todos os homens são chamados ao pleno desenvolvimento.

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Wagner Balera é Coordenador do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Faculdade de Direito da PUC-SP.

O drama das enchentes no Rio Grande do Sul e que, de algum modo, também se reproduz no Pantanal pode vir a ser uma constante.

É o fenômeno da sociedade de risco que há de ser enfrentada à luz de perspectiva bem definida: a dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de 17 metas globais da Organização das Nações Unidas (ONU) no contexto do que é o direito ao desenvolvimento.

Desde 1986, momento em que a ONU proclamou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a ideia-chave a ser assimilada e compreendida consiste em pôr limites ao mero desenvolvimento econômico.

É um dilema conhecido. Que tipo de desenvolvimento a sociedade pretende? O documento da ONU afirma que o desenvolvimento não pode ser só econômico, o desenvolvimento deve ser integral, abrangendo a sociedade no seu todo. Só assim o progresso beneficiará toda a comunidade. Não haverá verdadeiro desenvolvimento sem que essa chave de dinamização seja acionada.

A problemática do meio ambiente, desde o oportuno alerta de 1972, já exigiria o incremento do mote da sustentabilidade.

O nosso futuro comum, nome e identidade do histórico documento, impunha a condição indispensável: que o liame entre o econômico e o social ordene a vida e as condições de trabalho, a fim de que a qualidade de vida em ambiente saudável possa ser garantida de modo perene.

Ora não é outra a noção de desenvolvimento sustentável: é o que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras atendam às suas próprias necessidades.

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De que, afinal, está se falando? Simplesmente de que a conta que estamos deixando o futuro não conseguirá pagar.

Há poucos anos, o Papa Francisco lançou, na encíclica Laudato Si, a trágica constatação: “O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social” (nº 48).

A tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul nos mostra o que poderá acontecer doravante se não prestarmos atenção. É um alerta que a natureza nos faz.

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que consubstanciam a Agenda 2030, devem ser levados mais a sério.

Tais objetivos encontram como fundamento distintas manifestações ocorridas em 1972, já referida, e em 1987. Do mesmo modo, o Brasil sediou a ECO-92, na qual também se insiste que o desenvolvimento socioeconômico deve marchar conjuntamente com a defesa do meio ambiente.

Tudo conflui com o ideário proposto por São Paulo VI: o desenvolvimento para ser autêntico deve ser integral e promover a figura humana como um todo, posto que todos os homens são chamados ao pleno desenvolvimento.

Agora vamos destacar o item 7 da ODS, são 17 itens: Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.

A degradação constatada no Rio Grande do Sul decorre de causas naturais, mas também de deficiências notórias de governança.

Muitos problemas de governança levaram a essa crise. Então, temos que compreender a responsabilidade humana, a responsabilidade histórica e a responsabilidade social. Três vetores de responsabilidade que explicam, mas não justificam, que a crise ora instalada poderia ter sido evitada mediante cuidados elementares de defesa do meio ambiente.

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Eis o objetivo 7: garantir a sustentabilidade ambiental. O desenvolvimento sustentável é o único apto a garantir que desastres como esse não se tornem uma constante.

Portanto, são necessárias passadas de gigante para que o propósito do objetivo de sustentabilidade ambiental seja atingido até 2030.

Três metas estão associadas ao objetivo 7: A primeira é a água, a qualidade da conservação e recuperação dos mananciais, essencial para um desenvolvimento sustentável e saudável, capaz de garantir à geração presente e à geração futura qualidade de vida e vida saudável. Do mesmo modo, matas e florestas, enfim, esse imenso potencial ambiental que o Brasil possui e que é tão desleixado, tão deixado de lado, não pode mais admitir a ausência de verdadeiras políticas de estado para que delas se cuide com eficiência.

Os extremos de frio e de calor que são sentidos por toda parte registram a prova cabal do aquecimento global. Como ainda se pode negar isso?

A solidariedade registrada nesse episódio, que merece todos os louvores, exige prosseguimento com a solidariedade na cobrança de providências claras, objetivas e imediatas de defesa do meio ambiente, do desenvolvimento integral e do nosso futuro comum.

Wagner Balera é Coordenador do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Faculdade de Direito da PUC-SP

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